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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Programa Bonde | Extermínio da Juventude Negra


Dados do Ministério da Saúde demonstram que, dos 56 mil homicídios que ocorrem por ano, mais da metade são entre os jovens. E dos que morrem, 77% são negros. Os movimentos sociais chamam esse fenômeno de extermínio da juventude negra, e esse é o tema do #programabonde desta sexta. Porque diferente da grande mídia, nós sabemos e falamos sobre quem de fato está morrendo nas nossas periferias: nossos jovens, homens, negros.

Não perca! É nesta sexta, às 14h30, na TV Comunitária Cidade Livre, canal 12 da NET, ou pelo site: www.tvcomunitariadf.com

E pra quem perdeu as reprises, assistir agora a última edição do‪#‎ProgramaBonde‬ na internet! 

Programa Bonde | Racismo [3]

Grupo de voluntários transforma prédio abandonado, no Gama, em um teatro


Valdeci Moreira (à esquerda) e integrantes da Cia. Semente de Teatro ensaiam a peça Vestida de mar, que será encenada na inauguração do teatro, na sexta-feira

Criada do sonho de um professor de artes cênicas, a Cia. Semente de Teatro se concretizou e ganhou espaço. Os maiores beneficiados são os moradores da região

Há quase nove anos um grupo teatral, nascido no Gama, transforma a cultura em espetáculo e conhecimento público. Do porão alugado de uma ex-serigrafia, surgiu a Cia. Semente de Teatro, hoje com 30 integrantes, e um sonho: restaurar a vida das pessoas e, como consequência, propagar o nome do Gama como identidade cultural. Os dois desejos, que antes eram projetos do diretor Valdeci Moreira, 40 anos, cresceram e se concretizaram. Hoje, após um trabalho reconhecido na comunidade, a Cia. Semente de Teatro conquistou um novo endereço na cidade: a antiga Casa do Artesão do Gama, abandonada há mais de 10 anos. O lugar, que era cenário de entulhos, bichos, como ratos, presença de usuários de droga e moradores de rua, se tornou um ponto de espetáculo e arte, com capacidade para 100 pessoas.

A nova sede do grupo será inaugurada na sexta-feira com a apresentação da peça Vestida de mar (leia Para saber mais). No fim do ano passado, a Administração Regional do Gama ofereceu o espaço. A concessão é de um ano, mas pode ser renovada por meio de solicitação. Em dois meses, integrantes e voluntários da Cia. Semente de Teatro trabalharam para revitalizar o lugar. De lá para cá, a equipe retirou 60 sacos de lixo do local. Além do esforço conjunto, o diretor do grupo investiu cerca de R$ 32 mil na estrutura do teatro.

Refletores foram instalados e o teto, modificado para receber os espetáculos; a fachada recebeu decoração artística; a estrutura elétrica, antes incendiada, passou por reforma; e mais um banheiro surgiu para uso público. “O que antes era invisível para a comunidade se transformou em um ponto de observação. As pessoas vêm, tiram fotos, elogiam e contam que o espaço era ponto de marginalidade, prostituição e uso de drogas”, ressaltou Valdeci, que também é professor de artes na rede pública de ensino.

À frente da direção teatral desde 2009, Valdeci oferece oficinas e cursos de teatros gratuitos para a comunidade. Não só jovens e adultos do Gama participam dos ensinamentos. Moradores do Entorno, como Luziânia, Cristalina e Santo Antônio do Descoberto, também procuram as aulas. “Após um ano de curso aprendendo técnicas teatrais, eles criam um espetáculo, que fica em cartaz por dois meses. As peças são levadas, inclusive, a festivais. A oficina que começou em janeiro do ano passado se encerra em junho com a apresentação da obra de Guimarães Rosa Miguilim”, explicou.


Março de Todas as Mulheres - SEMIDH/DF


Março de Todas as Mulheres será dividido em 4 semanas temáticas: AUTONOMIA, envolvendo assuntos de trabalho e empreendedorismo; FORÇA, de acesso à justiça e defesa de direitos; VIDA, de promoção da saúde e do esporte; e POESIA, sobre educação, cultura e acesso à informação. Divulgaremos a programação por aqui e você é nosso convidado. As modelos da campanha são todas servidoras da SEMIDH/DF. 

Rafael XVX - Vermelho, Preto e Verde


Rafael XVX - Vermelho, Preto e Verde

Vermelho, preto e verde: essência que inflama
Da diáspora emana, bandeira panafricana
Vermelho, preto e verde: a sigla e a luta
E a vida é sempre duas lutas: os livros e as ruas

Eu sou João e no convés o sangue do capitão
Por não ceder às chibatas da falsa abolição
O temporal inundou o coração do marinheiro
E o meio necessário fez o Almirante Negro
Mas não mudou os ventos do repositório imagético
Que vê um subalterno em cada afro-brasileiro
E a senzala herdada pelo povo periférico
Ganha linhas de crédito como grilhões de dinheiro
E o fenótipo ainda é a questão derradeira
Nas portas giratórias das casas financeiras
Nas provas de universidades, alunos pouco universais
Que não aceitam medidas de reparação raciais
Mas isso não é sobre você
É sobre identidade, realocação de poder
Ancestralidade, conceitos de liberdade
Estude Frantz Fanon e Marcus Garvey para entender

Vermelho sangue jorrado, preta pele chagada
Verde vivência natural que de nós foi roubada
Dominação psíquica após o navio negreiro
Reconstrução da auto-estima é o passo primeiro
Fraternidade áspera, perceba a condição igual
De todo negro quando em contexto pós-colonial
Racismo é sistêmico e não só injúria racial
Culturalmente associados à arquétipos do mal
Eu sou John Africa e sua casa de afro naturalistas
Queimados vivos pelas mentes segregacionistas
Eu sou o plano de revolta de Mala Abubaker
Sou Malcolm X entre a volta da Mecca e morrer
Lélia Gonzales e o corpo hipersexual
Angela Davis contra a violência policial
Eu sou Abdias do Nascimento, Zumbi e Luís Gama
Sou Luther King enxergando no topo da montanha

SANKOFA — retomar a luz africana
Tribos tinham dietas de base vegetariana
Visão holística promove vida natural
Saúde é empoderamento pessoal
Métodos de resistência, aprender e ensinar
Autonomia e organização popular
Cotidiano de revolução, três cores na parede
África no sangue, isso é vermelho preto e verde

Vermelho, preto e verde: essência que inflama
Da diáspora emana, bandeira panafricana
Vermelho, preto e verde: a sigla e a luta
E a vida é sempre duas lutas: os livros e as ruas

Mas isso não é sobre você
É sobre identidade, realocação de poder
Ancestralidade, conceitos de liberdade
Estude, Frantz, Fanon


Fonte: Rafael Bessa.

A VOZ: Angélica, Carmem e o racismo no Big Brother Brasil







Por Artur Santoro, em colaboração com Aline Mendonça,
Todos sabemos o que é o Big Brother Brasil. Todos sabemos, também, o alcance que o programa possui nas mais diversas classes sociais e como tudo e qualquer coisa que acontece na "casa" é notícia. Abrindo sites de notícia, por exemplo, não é preciso descer muito para encontrar um espaço reservado para as novidades do programa; no momento, está sendo exposto o tédio na casa e como uma das participantes está animada e ambas as notícias estão em destaque. Não entrarei no mérito de questionar a relevância das notícias pela redundância que é esse debate. O ponto aqui é: o que está sendo excluído ali ao dar visibilidade à tais ocorridos.

No último dia 24, terça-feira, houve o famoso paredão. Em uma eliminação tripla, a escolhida foi a participante Angélica com 69% dos votos. Para quem não a conhece, Angélica é uma mulher negra, feminista, com o cabelo raspado e mãe de duas crianças. É empoderada tanto enquanto mulher como enquanto negra, como pode ser visto pela sua estadia na casa. São por esses motivos, aliás, que ela se fez presente no programa: fez discursos de aceitação para as "sisters", não mediu palavras com participantes que a silenciaram levantando a voz, incentivou outro participante negro, que havia reproduzido declarações racistas, a defender sua raça, entre outros momentos. Angélica não se deixou silenciar e sua imagem foi marcada pela sua característica de se impôr em situações, principalmente, de opressão. Sua imensa resistência à opressão naquela casa não impediu, entretanto, que sofresse lá e, pior, que sofresse fora do reality-show - aliás, que toda a sua família fosse alvo de racismo.

Durante o seu confinamento, as redes sociais se encheram de comentários preconceituosos, seja nos comentários de blogs ou nos próprios perfis de membros da família dela. Sua mãe, Carmem Ramos, chegou a relatar que recebeu imagens de um desenho em que ela e a filha estavam em uma jaula. Não acabou por aí: seus filhos foram obrigados a deixar de frequentar a escola por conta do constrangimento e humilhação que foram submetidos por conta, por exemplo, de piadas. Não é à toa que, quando Angélica foi eliminada, sua mãe deu graças aos seus orixás, ao seu pai Ogum, sua mãe Oxum, comemorou, visivelmente aliviada por acreditar que o sofrimento teria um ponto final. Esse fim, entretanto, não esqueceu de deixar algumas lembranças.

Ao discursar sobre a pessoa eliminada, Pedro Bial afirmou que "você sabe também no que pode dar dizer e fazer coisas só por dizer e fazer coisas" e que ela nunca havia ouvido falar de diplomacia. Suas reações contra a opressão foram tachadas como simples coisas, como simples "por dizer", "por fazer". Toda a resistência que Angélica teve no programa foi apagada e, não somente, tachada de "falta de diplomacia". 

É comum observar como a reação do oprimido frente à opressão sempre ganha um peso peculiar. Toda a opressão existe sob uma condição de silêncio e de não-existência. Não se fala sobre, não se debate sobre e não se questiona sobre. Acoberta-se o preconceito de forma que se mascare a realidade de desigualdade que estrutura e embasa o sistema. Quando uma minoria responde, essa resposta é, por si só, uma ato de transgressão política na medida que destrói a barreira do silêncio que é imposta e reivindica o que foi roubado: a própria voz. Não surpreende, portanto, que o apresentador da rede Globo, pertencente a uma empresa privada, tente deslegitimar as ações da participante sob o pretexto da diplomacia. O que seria não ter diplomacia para Pedro Bial? Impôr-se frente aos preconceitos? Não adotar uma postura passiva frente à opressão? A resposta é simples: ter voz.

Retomando às graças dadas pela mãe de Angélica, essa tamanha simplicidade - que até parece leviana - é confirmada quando Bial questiona o porquê de tamanha felicidade frente à derrota. Ela começa a falar que dá graças pelo que a filha estava sofrendo no programa, começa a falar como ela e sua família estavam sofrendo com o racismo e... "LÁ DENTRO, LÁ DENTRO". Bastou falar a palavra racismo para que Carmem fosse interrompida e silenciada pelo apresentador. Bastou ela trazer ao público a opressão que Bial tira o microfone de sua boca e, mesmo que ela tenha tentado continuar a falar, não é possível ouvir mais nada. Bastou apenas ter voz.

O ocorrido não é um fato isolado; pelo contrário, é recorrente. Esses silenciamentos, embora aparentem ser inocentes para a opinião pública, consagram e reforçam a posição do opressor na sociedade na mesma medida que marginaliza e rouba a voz das minorias. Esse texto é uma nota de repúdio à Rede Globo, ao reality-show Big Brother Brasil e ao apresentador Pedro Bial, que contribuem para a manutenção do racismo, do machismo e de outras formas de preconceito como exposto acima. Não somente, o texto é uma nota de apoio à Angélica, a sua mãe Carmem, a seus filhos, à toda sua família, a todos os negros e negras e às mulheres que se encontram nessa condição de silenciamento. Força nessa luta! Encontraremos e reivindicaremos a voz que nos foi e nos é roubada juntos, companheiros! Machismo NÃO passará! Racismo NÃO passará!

Assista vídeo da eliminação da Angélica:

(Momento em que Bial fala de Angélica - 2:00
Momento em que Bial silencia Carmem - a partir de 5:15)

Fonte: Artur Santoro.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

TV Globo em rede nacional: Sim, é preciso dar fim à Polícia Militar



Pronto!
Agora foi a “toda poderosa” TV Globo que mostrou, em rede nacional, o que já sabemos pela dor. Muitas pessoas são mortas todos os dias pelas polícias no Brasil. E desde sempre.

Falo do “Profissão Repórter” que foi ao ar na noite desta terça-feira (25). O jornalista Caco Barcellos, com a ajuda de seus alunos, pareceu reviver sua maior obra, o “Rota 66 – A História da polícia que mata“ de 1992, ganhador do Prêmio Jabuti de 1993. No livro, Barcellos desmonta o “esquadrão da morte oficial”, organizado pela ROTA em São Paulo. Qual teria sido sua conclusão tantos anos depois?


Foi do jeito Globo, mas não foi ruim! O programa mostrou casos emblemáticos e conhecidos de ações violentas da polícia e que resultaram em mortes, com destaque para o Massacre do Cabula e a resistência da Campanha Reaja em Salvador. Mostrou também casos de policiais mortos em trabalho e até o inspirado trecho de um discurso do recém eleito deputado estadual de São Paulo, o ex-comandante da Rota Coronel Telhada: “Somos os mocinhos da História e estamos na luta contra o mal !”.


Movimentos denunciam chacina em Salvador-BA

Mas o discurso do parlamentar milico não se sustentou! A abordagem do programa explicitou: A polícia pratica extermínio institucionalizado; Forja flagrantes e boletins de ocorrência; Encena tiroteios; Planta armas e drogas; adultera locais de ocorrências; Tortura; Acoberta policiais assassinos; Intimida quem denuncia e/ou investiga. E o mais importante: São práticas habituais, comuns, continuadas.

Policiais também são mortos é verdade, numa proporção 50 vezes menor, mas são. Estes, vítimas de uma lógica de guerra e do endosso à prática violenta que só gera ainda mais violência e vingança. Todos filhos da classe trabalhadora. Ricos, via de regra, não sonham nem precisam ser policiais. Vidas são vidas. E, diante da perda brutal, há sempre quem as chore. Quase sempre mães. Muitas vezes filhos.


A maioria esmagadora dos mortos são negros. Esse dado não estava no texto do programa. Nem fez falta. Doeu ver as fotos dos jovens assassinados no Cabula, todos negros! E quase todos os outros.

É verdade que o programa não desceu às causas estruturais do problema da segurança pública. Não identificou responsáveis. Ignorou o papel da mídia na construção do discurso justificador da violência policial. Não citou responsabilidades de governos e tampouco procurou quem de fato se beneficia com o massacre cotidiano. Seria pedir demais. 

Ato simbólico de manifestantes no local da chacina do Cabula, em Salvador-BA

Fato é que, apesar da superficialidade, a veiculação de um programa com esse conteúdo em rede nacional pela principal rede de comunicação do país nos ajuda a reforçar o óbvio: Não podemos conviver nem mais um momento com uma polícia, uma prática e uma mentalidade que banalize massacres afim de manter a nobreza das elites racistas desse país. Não podemos aceitar a continuidade de um Estado determinado a manter um projeto genocida de desenvolvimento.

E agora, o que falta para pararmos tudo no Brasil e dar atenção aogenocídio da juventude negra e à guerra em que estamos mergulhados?
Falta o Papa pedir o fim da violência? Ele já pediu!
Falta a presidenta reconhecer a gravidade do problema? Ela já reconheceu!

Mais do que nunca é preciso discutir com seriedade o fim da Polícia Militar no Brasil bem como uma nova política que Segurança Pública que realmente garanta a vida.

Ato de manifestantes no local da chacina do Cabula, em Salvador-BA

Máximo respeito ao Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, às Mães de Maio e à todos/as lutadoras/es que desde sempre se dedicam à luta pela vida!


Fonte: Negrobelchior.

Posicionamento da sociedade civil sobre a escolha do/a novo/a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara


Este é uma semana de definição das composições e presidências das Comissões da Câmara dos Deputados. Com o aumento da bancada conservadora e a eleição de Eduardo Cunha (PMDB/RJ) para a presidência da Câmara - que já se posicionou contrariamente à pauta dos Direitos Humanos - existe a possibilidade de que a presidência da Comissão de Direitos Humanos (CDHM) seja novamente assumida por partidos ligados a grupos religiosos fundamentalistas.

Entendendo a importância da CDHM para a defesa dos direitos no país, organizações da sociedade civil se manifestaram em nota pública requerendo que a decisão sobre a nova presidência da Comissão seja pautada pela história de luta por direitos no Brasil, de reconhecimento da diversidade e da tolerância.

O documento foi enviado para o e-mail de todos os 513 parlamentares e foi entregue nessa terça-feira (24) na Câmara.

Segue a nota:
24 de fevereiro de 2015

NOTA PÚBLICA

POR UMA PRESIDÊNCIA DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS (CDHM) EFETIVAMENTE ENGAJADA COM A GARANTIA DE DIREITOS HUMANOS E PROTEÇÃO DAS MINORIAS

As organizações abaixo assinadas vêm, publicamente, requerer que a escolha da liderança da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados seja pautada no compromisso efetivo da nova ou do novo Presidente com a afirmação dos direitos humanos e observância concreta dos princípios de que toda pessoa humana possui direitos básicos inalienáveis que devem ser protegidos pelo Estado e por toda a comunidade nacional e internacional. 

Desde sua criação, em 1995, a CDHM tem sido o espaço por excelência dentro da Câmara dos Deputados para a garantia dos direitos fundamentais, de segmentos vulnerabilizados e das minorias, seja por meio da intensa escuta desses grupos, seja pela resistência contra matérias legislativas destinadas à supressão de seus direitos e da proposição de novos direitos a serem reconhecidos. A ação da CDHM é fundamental na proteção integral de direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais, ambientais, sexuais e reprodutivos, além da redução das desigualdades e discriminações, do racismo e do sexismo.

Abertura para o diálogo constante com a sociedade civil

É indispensável que a nova Presidência da Comissão honre sua história de luta por direitos, pelo reconhecimento da diversidade e da tolerância neste país, por meio da manutenção de canais abertos e constantes de diálogo com a sociedade civil. Assim, far-se-á jus à melhor tradição da CDHM como espaço plural e de reconhecimento de identidades e lutas: pela igualdade racial e de gênero; pelos direitos e contra a discriminação contra brasileiros/as LGBT; pelos direitos das pessoas com deficiência; pela garantia dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses, trabalhadores rurais sem terra e assentados da reforma agrária, pelo direito à terra e ao território e aos seus modos de vida; pelo direito à cidade, com garantia de mobilidade, segurança e moradia digna; pelos direitos sexuais e reprodutivos; pelo direito à memória e verdade; pelo direito a uma vida sem violência; pela liberdade e diversidade religiosa; pela liberdade de expressão e à diversidade e pluralidade na mídia; contra a criminalização de movimentos sociais e pela proteção de defensor/as de direitos humanos; pelo acesso à democratização da justiça; entre outros.

Proteção diuturna e negação do retrocesso de direitos de grupos minoritários

Faz-se imperioso compromisso genuíno da nova Presidência da CDHM com a permanência do reconhecimento da Comissão como espaço de reafirmação e defesa da plurietnicidade, multiculturalidade e diversidade religiosa existente no nosso Brasil, respeitando a luta histórica de milhares de brasileiros/as pelos direitos humanos, pela igualdade e não-discriminação (homens, mulheres, gays, lésbicas, negros/as, indígenas, ateus, praticantes das religiões de matriz africana, pessoas com deficiência, etc.). Nesse sentido, defendemos o rechaço ao retrocesso na proteção de direitos de grupos minoritários, principalmente quando fundamentadas em visão de mundo em desconformidade com a Laicidade do Estado Brasileiro, um dos princípios fundamentais esculpido na Constituição Federal de 1988. A possível implementação de um discurso de negação e não afirmação de direitos é um retrocesso e anacronismo na luta histórica em defesa dos Direitos Humanos no Brasil.

Diante dessas questões, requeremos que a decisão sobre a nova Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias seja pautada pela história de luta por direitos no Brasil, de reconhecimento da diversidade e da tolerância.

Atenciosamente,

1. Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG
2. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT
3. Articulação do Movimento Estudantil de Relações Internacionais - AMERI
4. Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
5. Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB
6. Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente - ANCED
7. Fórum Brasileiro de Segurança Pública
8. JusDH – Articulação Justiça e Direitos Humanos
9. Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
10. Rede de Justiça Criminal
11. Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei (RENADE)
12. Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
13. Agentes de Pastoral Negros do Brasil-APNs
14. Artigo 19
15. Associação de Servidores Servidores da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
16. CEDECA Interlagos
17. CEDECA Maria dos Anjos/RO
18. CEDECA MG
19. CEDECA Pe. Marcos Passerini
20. CEDECA Renascer
21. CEDECA Rio de Janeiro
22. CEDECA Sapopemba
23. CEDECA Sé
24. CEDECA Zumbi dos Palmares
25. Centro Acadêmico XI de Agosto
26. Centro de Educação em Direitos Humanos – UNIFESP/BS
27. Centro de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes do Distrito Federal (CEDECA-DF)
28. Centro de Defesa dos Direitos Humanos Nenzinha Machado
29. Centro de Promoção da cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo - Imperatriz – Maranhão
30. Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC
31. Coletivo Oxalá
32. Comissão Pastoral da Terra
33. Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do Piauí
34. Conectas Direitos Humanos
35. Conselho Indigenista Missionário – Cimi
36. Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas
37. FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
38. FIAN Brasil – Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar
39. Fórum de Mulheres de Imperatriz 
40. Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP
41. Garantia de Luta Sapopemba
42. Geledés Instituto da Mulher Negra
43. Grupo Asa Branca de Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco
44. Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (GEVAC/UFSCar)
45. Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança Pública e Administração da Justiça Penal (GPESC) da PUC-RS
46. Hip Hop Na Vila
47. Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc
48. Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH
49. Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH
50. Instituto Igarapé
51. Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
52. Instituto EQUIT - Gênero, Economia e Cidadania Global
53. Justiça Global
54. Movimento de Atingidos por Barragens – MAB 
55. Movimento de Mulheres de Cabo Frio/RJ – MMCF
56. Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defebsoria Pública do Estado de São Paulo
57. Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência - OBIJUV/UFRN
58. Organização de Direitos Humanos - Projeto Legal
59. Programa de Educação Tutorial – Educação Popular/UNIFESP/BS
60. Programa Interdepartamental de Práticas com Adolescentes e Jovens em Conflito com a Lei (PIPA) da UFRGS
61. Terra de Direitos
62. Carlos Magno – Associação Brasileiras de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT
63. Carlos R. S. Milani - Professor-adjunto, IESP-UERJ
64. Emilio Peluso Neder Meyer - Professor Adjunto I da FD/UFMG
65. Evorah Lusci Costa Cardoso
66. Francisco Nuncio Cerignoni - Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência – FCD
67. Giancarlo Silkunas Vay ( defensor público do estado de São Paulo e membro do núcleo especializado da infância e juventude da Dpesp)
68. Jonas Marques de Araujo Neto – COONAP – Cooperativa Trabalho Múltiplo de Apoio às Organizações de Auto Promoção
69. Marcelo Carneiro Novaes (defensor público do estado de São Paulo e membro do núcleo especializado de situação carcerária da Dpesp)
70. Natália Lima de Araújo
71. Padre Marcelo Monge - Diretor da Caritas Arquidiocesana de São Paulo
72. Regina Atalla - Vice-Presidente da RIADIS
73. Rogério Sotilli
74. Terezinha de Oliveira Gonzaga - União de Mulheres de São Paulo
75. Vera Paiva – Conselho Federal de Psicologia

Fonte: CEDECA/DF.

Mais de 20 mil crianças sem creche, enquanto terceirizados fazem protesto

Uma das creches embargadas pela construtora fica na 204/205 Sul

Promessa de construção de locais para mães deixarem crianças enquanto trabalham estão no papel. Crise também atinge prestadores de serviços para o GDF, como merendeiras, recepcionistas e serviços gerais

Mães de pelo menos 24 mil crianças estão sem lugar para deixá-las. Das creches prometidas pelo GDF, 12 ficaram prontas, mas as construtoras não liberaram o uso do espaço por falta de pagamento. Dessa forma, das 6,7 mil novas inscrições para 2015, o governo teve condições de receber 2,5 mil — no total, são 50 mil vagas, em 87 creches. A previsão da Secretaria de Educação é inaugurar nove creches até março, o que permitiria mais mil alunos. Vinte e cinco obras seguem em andamento. “É claro que a quantidade de vagas oferecidas é aquém da demanda do DF, mas, por enquanto, essa é a nossa realidade. Como as creches não dependem de um calendário letivo rígido, à medida que elas forem inauguradas, as vagas serão preenchidas”, detalha o secretário de Educação, Júlio Gregório.

Sem creche, a rotina da manicure Leiry Paula de Jesus, 30 anos, ficou complicada. Ela mora em Santo Antônio do Descoberto (GO) e trabalha em Águas Claras. A mãe e a irmã ajudam a cuidar dos dois filhos dela. “Fico pensando em como será o dia em que elas não puderem me auxiliar.”

Na casa da cabeleireira Nadia Maria Campelo, 26 anos, o orçamento apertou diante da falta de um lugar para deixar as crianças, de 4 e 10 anos. Ela gasta pelo menos R$ 500 com uma cuidadora. “Além de pagar a pessoa, tenho custos com alimentação e outras despesas”, lamenta a moradora do Recanto das Emas.

As creches embargadas ficam na Asa Sul, em Santa Maria, no Areal, em Águas Claras, em Sobradinho, em Samambaia e em Ceilândia. As empreiteiras dizem que só vão liberar os espaços após o pagamento das obras. O Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF) ressalta as dificuldades das empresas. “São firmas pequenas, que não têm recursos para arcar com os custos. Desde dezembro, elas não recebem, por isso, algumas obras estão paradas, e as que estão prontas não foram entregues”, explica o presidente do Sinduscon, Luiz Carlos Botelho.

Terceirizados

Por falta de pagamento dos salários e dos benefícios, prestadores de serviço do GDF se reuniram ontem, às 10h, em frente ao Teatro Nacional. Foram convocadas cerca de 3 mil pessoas, entre merendeiras, recepcionistas e serviços gerais. Compareceram 400. O dinheiro dos atrasados sai dos cofres públicos e é repassado aos terceirizados pelas empresas contratadas pelo governo local, que alega ter pagado todas as contas referentes a 2015. “Não existem débitos fora do prazo. O governo desconhece toda e qualquer dívida com as classes” informou a Secretaria de Relações Institucionais, por meio da assessoria de Comunicação.

Entre as empresas acusadas pelos trabalhadores de atrasar os pagamentos, estão a Servegel e a G&E Eventos. A primeira disse que o pagamento está em dia, e que o vale-refeição e o vale-transporte, ainda atrasados, serão quitados. O diretor-geral da G&E, Guilherme Leite, confirmou o débito referentes às férias e aos salários de janeiro, mas culpou o GDF: “Estão nos devendo três meses de faturas. Tivemos de recorrer a empréstimos”.

Violência e insensatez: O mundo colhe a tempestade que está a semear há muito tempo

WELAYAT TARABLOS / AFP

Até o mundo mineral está informado: dentro em breve, 1% da população mundial será dona de 99% da riqueza global. O fato não causa o pasmo da própria turma dos privilegiados, tampouco de uma congregação de ilustres economistas. O argumento que estes brandem soletra a inevitabilidade do processo, determinado, digamos assim, pelo estilo (modo, regra) de vida do planeta. E qual seria? Porventura a lei da selva?

Tempos atrás, dizem os tais economistas, a existência seguia um curso linear. Pagava-se por tarefa, por obra feita, por lance executado, de maneira constante e uniforme, de sorte que o tempo determinava o resultado do esforço despendido. Nos dias de hoje, um único gesto, uma solitária ação, a decisão isolada de um ser afortunado, podem torná-lo bilionário da noite para o dia.

E vamos de valsa, a sustentar a teoria. A fortuna, a bem da verdade factual, sempre influiu para enriquecer este ou aquele, sem contar a trapaça, o assalto, o roubo, a exploração do homem pelo homem. Como aconteceu, por exemplo, com os antológicos robber barons dos EUA no final do século XIX. No entanto, quem justifica atualmente a caminhada no rumo da desigualdade absoluta não passa de sabujo a serviço do neoliberalismo. Tornado estilo, modo, regra de vida. Sob medida para garantir a felicidade de uma centena de empresas multinacionais, a mandarem mais que os governos nacionais, bem como dos banqueiros e dos especuladores.

Antes ainda que políticas, econômicas e sociais, estão em jogo questões morais. E intelectuais, relacionadas com a razão. Por que o mundo haveria de se conformar com uma situação que favorece pouquíssimos em detrimento da avassaladora maioria? Alguns tímidos sinais de resistência afloram aqui e acolá. Há de tirar o sono, contudo, de quantos ainda se norteiam tanto por valores e princípios quanto pela lógica velha de guerra, toda uma avançada sintomatologia do emburrecimento global.

Vamos então a Copenhague, gélida embora aprazível capital do Norte, na rota do polo. Pois até ali um muçulmano enraivecido atenta contra aqueles que enxerga como inimigos. E lá vem a mídia a denunciar mais um atentado à liberdade de expressão. E não seria inclusive de culto, a se considerar que o atentador também agiu contra uma sinagoga?

Ninguém se pergunta por que um par de franceses de sangue árabe invade a redação do Charlie Hebdo, ou um apenas ataca em Copenhague. Ninguém convoca seus botões para tentar compreender as razões deste insólito e ferocíssimo conflito, a começar pela fragilidade da Europa, já assoberbada por imponentes problemas, e pelo desespero das periferias. E no caldeirão monstruoso, ferve, também e obviamente, a desigualdade cada vez mais desenfreada.

Neste momento da esperteza de um punhado de indivíduos e da cretinização coletiva, excelente metáfora da situação é a chamada arte contemporânea. Na ausência de poetas e com o enterro da pintura. A quem aproveita se não aos vilões da especulação? Se ditos artistas como os Hirst e os Koons valem milhões de dólares, o enredo farsesco favorece quem os negocia, e a quem transforma sua produção ridícula, em um tempo incapaz de expressar a extraordinária ironia de Marcel Duchamp, em moeda alternativa da especulação.

O mundo digere a empulhação, sem discernir realidade da fantasia imposta pela forma dos mais apurados e capilares instrumentos tecnológicos. Se os empulhadores acima citados valem milhões, quanto vale a Capela Sistina? Quem se habilita a estabelecer parâmetros? E por falar em Michelangelo, que se daria se algum cartunista, ao majestoso rosto barbudo do Deus cristão, a pairar soberano na abóbada da capela, substituísse as néscias feições de Bush júnior, ou de outro Bush, o futuro e enésimo? A liberdade de expressão é invocada, sem perceber que ela tem seus limites.

Quanto a esse conflito sem fronteiras que abala o planeta, de inaudita violência e insensatez abissal, denuncia uma lógica na falta de lógica: é a manifestação inexorável de um mundo violento e insensato, a favorecer os ricos e a espezinhar os demais.

Fonte: Cartacapital.

O nosso fundamentalismo

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha. 
FABIO RODRIGUES POZZEBOM (AGÊNCIA BRASIL)

Perturbador não é o fato de o deputado Eduardo Cunha cultivar e encampar ideias reacionárias. Perturbador é constatar que Cunha não está sozinho nesta empreitada

No dia 1º de fevereiro Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados, o que o coloca como segundo nome na linha de sucessão da Presidência da República em caso de ausência de Dilma Rousseff, logo após o vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP). O Brasil encontrava-se em plena função pré-carnavalesca, enquanto Cunha, articulador e líder do chamadoBlocão, que reúne metade dos parlamentares da Casa, trabalhava para trazer à pauta propostas que considera essenciais para o bom funcionamento da sociedade brasileira.

Dentre as prioridades de Cunha estão a votação do Estatuto da Família, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), fiel da Assembleia de Deus, que define “família” como “união entre homem e mulher”, contrariando decisão do Supremo Tribunal Federal, que igualou os direitos dos casais homossexuais aos dos casais heterossexuais. Cunha também desarquivou dois projetos de sua autoria, um que institui o Dia do Orgulho Heterossexual e outro que penaliza a discriminação contra os heterossexuais. Fosse brincadeira, pensaria em farsa – mas, sendo sério, enxergo apenas cinismo.

Negar direitos aos casais homossexuais, em nome da defesa de valores familiares, é acreditar ainda que o sol gira em torno da Terra ou que as moscas nascem da carne em putrefação. A ideia tradicional de família está em crise em todos os lugares, é uma marca dos nossos tempos – e, ao invés de propor uma discussão honesta sobre como organizar essa nova realidade, preferimos inventar culpados e caçá-los. Incompetentes para nos adaptar a um mundo em mutação, aferramo-nos a um passado idealizado (e portanto falso) e negamos o presente concreto. Esse discurso, baseado em um moralismo fundamentalista, não combina com uma sociedade que se quer moderna e laica, e resulta numa espécie de autismo social. Nunca soube de nenhum heterossexual discriminado, onde quer que seja, por conta de sua orientação sexual – mas em 2013 foram assassinados 319 homossexuais, quase um por dia.

Outra cruzada de Cunha, dentro de sua lógica de preservação da família, é contra a legalização do aborto. Por sua iniciativa, tramitam na Câmara dos Deputados quatro projetos de lei que ampliam a repressão à prática do aborto: tipificando-a como crime hediondo, conceituando o início da vida na concepção (hoje a legislação compreende que a vida começa após a 22ª semana de gestação), prevendo a prisão de seis a vinte anos do médico que pratique a operação, e tornando crime a orientação de gestantes para o procedimento, com até dez anos de reclusão.

A proibição do aborto é mais uma face visível da nossa hipocrisia. Todos sabem que o aborto é praticado no Brasil, e de maneira intensiva – calcula-se em torno de 850 mil procedimentos clandestinos todo ano. A diferença é que as mulheres ricas de classe média vão a clínicas de alto padrão, com ameaça mínima para a saúde, enquanto as mulheres pobres recorrem a consultórios de fundo de quintal, a aborteiras ou lançam mão de expedientes domésticos, correndo sérios riscos, que resultam muitas vezes em esterilidade e, pior, em morte. Recusar-se a discutir o assunto é continuar condenando as mulheres, sejam ricas ou pobres, à marginalidade – e, em casos extremos, à morte.

"Negar direitos aos casais homossexuais, em nome da defesa de valores familiares, é acreditar ainda que o sol gira em torno da Terra"

Perturbador não é o fato de o deputado Eduardo Cunha cultivar e encampar ideias reacionárias – que ele tem todo o direito de defender. Perturbador é constatar que Cunha não está sozinho nesta empreitada. Economista, 57 anos, começou sua trajetória pública como presidente da Telerj, no governo Collor, assumindo em seguida a presidência da companhia de habitação do Rio de Janeiro, no governo Garotinho. Radialista, ligado ao bispo Robson Rodovalho, da igreja Sara Nossa Terra, elegeu-se em 1998 deputado estadual e a partir de 2002 deputado federal, com votações crescentes a cada nova legislatura – na última, foram 232 mil votos. Para conquistar a presidência da Câmara, no primeiro turno, recebeu 267 votos. Perturbador é isso: o deputado representa a opinião de uma parcela cada vez maior da população brasileira, que, renunciando a pensar, delega suas opiniões a homens como Eduardo Cunha, que, escudado num falacioso discurso religioso, defende sabe-se lá que interesses.

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Luiz Ruffato é escritor e jornalista.

Fonte: Elpais.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Nota da Comunidade de Mestre D'Armas, Planaltina - DF


Nota da Comunidade de Mestre D'Armas, Planaltina/DF

"Consternados manifestamos nossa dor e repúdio diante da morte de seis pessoas, ocorridas na madrugada deste domingo, 14/02, após colisão frontal entre dois veículos, ocorrida em Formosa (GO).

Cinco jovens, ao não pararem em uma abordagem policial, foram perseguidos entre Planaltina-DF e Formosa-GO por diversas viaturas da Polícia Militar do DF. Ao ocorrer a colisão, os policiais, conforme se vê em vídeo que circula na internet, retiraram os corpos dos jovens, amontoando-os e ofendendo-os, de forma covarde. Um policial, dizia ao garoto de 13 anos, que sobreviveu à colisão, contorcendo-se no chão, mas que veio a falecer depois: "não chora não, morre como homem". Se a PMDF tivesse cumprido seu papel de forma profissional, provavelmente mortes teriam sido evitadas.

Diversas viaturas perseguiram o automóvel com os garotos até a colisão, tendo os corpos sido retirados do carro, jogados e amontoados no chão como se lixo fossem, enquanto o sobrevivente que ainda se mexia, chorava e pedia socorro, e era desdenhosamente ofendido por um policial.

É preciso apurar a ação dos policiais militares do DF, pois o ato se configura em crime conforme previsto no art. 121, parágrafo 4º, do Código Penal brasileiro, que considera homicídio culposo e aumenta a pena no caso do agente em exercício da profissão que deixar de prestar imediato socorro à vítima.

Os jovens estudavam e trabalhavam, e a polícia não tem o direito de julgar e condenar, como ocorreu e como comprovam as imagens do citado vídeo. Mesmo com um dos jovens com passagem pela polícia, em qualquer circunstância a polícia não teria o direito de fazer o que fez. O fato mostra policiais despreparados para dar segurança à sociedade. 

Morreram, durante o acidente, além do motorista do outro carro, os seguintes jovens: Welington (13), Carlos Henrique (15), Caio Jonatas (17), Gabriel (17), e David Matos (18).

Por outro lado, chama a atenção a falta de equipamentos públicos relacionados à cultura, ao trabalho e ao lazer na região de Planaltina e em toda a periferia do DF. O que há de sobra para as crianças e jovens dessas regiões, tem sido a morte, a marginalidade e a falta de oportunidades que assegurem a formação de cidadãos que possuam a plena cidadania.

É preciso dar as condições adequadas para o desenvolvimento psicosocial e as oportunidades adequadas aos jovens residentes nas periferias, oferecendo essas condições. A Polícia Militar precisa ser preparada para respeitar a vida, a juventude e todo o povo, assim como é necessária a desmilitarização das polícias de todo o Brasil.

Basta de violência contra os jovens filhos de trabalhadores. A cada dia acontecem mais denúncias de assassinatos de jovens pobres, negros e residentes das periferias praticados por policiais.

Exigimos a imediata apuração e punição dos responsáveis pela barbárie que matou os jovens de Mestre D'Armas, Planaltina, DF.

Brasília (DF), 17 de fevereiro de 2015."

Assinam:
Sigenaldo Souza Alencar, pai e Neli Ribeiro, mãe - Carlos Henrique
Raimundo Neto Ribeiro, pai e Maria Lucia, mãe - Caio Jonatas
Juscelino E. de Matos, pai - David Matos
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Entidades:
ABL
Aquilomando DFE
Articulação Brasileira de Lésbicas – ABL
Cajueiro - Centro de Formação, Assessoria e Pesquisa em Juventude – GO 
Calles - Casa América Latina Liberdade e Solidariedade - ES
Cáritas Arquidiocesana de Brasília – DF 
Cebrapaz – DF
CFEMEA - DF
Central dos Movimentos Populares – CMP
Centro Acadêmico Carlos Mariguella – História UFF – Campos dos Goytacazes - RJ
Coletivo ArtSam
Coletivo Enegrecer
Coletivo de Entidades Negras – CEN
Coletivo Favela Potente - DF
Coletivo Mariachi
Coletivo Maria Perifa
Coletivo Negrada - ES
Coletivo da Secretaria de Mulheres do PT/DF
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia – DF
Comitê Paraense de Solidariedade ao Povo Palestino - PA
Conselho Regional de Psicologia – DF
Cooperativa de Reciclagem do Coco verde – Coopercoco
CUCA – UFF -RJ
DCE Fernando Santa Cruz – UFF - RJ
DCE Universidade Católica de Brasília - DF
Diretório Acadêmico Allan Turing – Computação – UFF
Diretório Acadêmico Aurora de Afonso Costa – Enfermagem – UFF - RJ
Fórum Nacional da Juventude Negra -DF
Frente Feminista Periférica
Grupo Radicais Livres S/A – DF
Jornal O Miraculoso – DF 
Juventude Libre - DF
Juventude PT (Nacional)
Movimento Cultural Super Nova
Movimento D’ELLAS -RJ
Movimento de Mulheres Negras Capixabas - MNC - ES
Movimento de Olho na Justiça – MOJUS
MTST
Nação Hip Hop Brasil
Nosso Coletivo Negro - DF
Observatório Juventudes na Contemporaneidade – GO
O Campo
Pastoral da Juventude - DF
Pátria Latina
PCdoB 
Pretas Candangas - DF
Quilombo Estereótipo
Racionais MC's
Radicais Lires S - DF
Rede Nacional de Negras e Negros LGBT
Rede Nacional de Religiões Afrobrasileiras e Saúde – RENAFRO
Refundação Comunista
Regular – GO
RUA - Juventude Anticapitalista - DF
Secretaria Agrária do PT - DF
Setorial de Direitos Humanos do PT – DF
Sobreviventes da Rua - DF
SINDSEP – DF (Seção de Base do Incra)
SINDSER - DF
UJS (Nacional)
UJS - DF
União de Negros pela Igualdade - Unegro
Vila dos Sonhos
+ Assinaturas de pessoas da Comunidade de Mestre D'Armas, que não reproduzimos aqui por ser muito longa.
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Para adesões, mande o nome da Entidades para: meninosdemestredarmas@gmail.com

Sobre crespo, a luta e a gratidão


Por Adriane Henderson, no Meninas Black Power,
Tenho andado pelas ruas e perdido as contas. Perdido as contas de quantos cabelos crespos vejo por aí. Crespos mesmo, do jeito que eles são em todo o seu embaraço, com todas as suas irregularidades, em toda multiplicidade de cor e texturas. Não “relaxados”, não “domados” como os querem os rótulos de xampu. Cabelos crespos que andam por aí a fazer reverências à cor da pele, aos largos narizes, às grandes bocas, aos largos e fortes quadris. Crespos que guardam memórias e vão por aí a encrespar também os que insistem em alisar o mundo. Tenho andado pelas ruas e sentido gratidão por cada homem, cada mulher preta que, com seu cabelo, me oferece também a sua história, sua resistência. E compartilha comigo uma dor que de tão cotidiana parece, por vezes, nosso lugar comum. Me oferecem, com seus crespos, a chance de saber-me bonita. Bonita, sim! E me oferecem, acima de tudo, as possibilidades de me identificar, de poder pensar: “talvez meu cabelo ficasse bem com esse corte”; “talvez meu cabelo fique bem com essa cor”.

Parece uma bobagem quando você não viveu uma vida em que durante vinte e poucos anos seu cabelo não tem outro lugar se não o “cabelo ruim”; o que precisa “dar um jeito”; o que “tem volume de mais”; o que “não tem jeito”. Amarra! Prende! Tá feio assim! Alisa logo! Uma violência tão sutil quanto institucionalizada, praticada dentro de casa, entre os amigos e por aqueles que te querem bem. Hoje reverencio meus antepassados que com suor e sangue resistiram e ainda assim nos ofereceram alegria e beleza na música, na dança, nas artes, na mitologia. Tenho andando pelas ruas e reverenciado cada homem, cada mulher preta que com seu crespo exerce liberdade, por que essa só pode estar presente no gesto cotidiano, nunca foi institucional. Reverencio cada homem e cada mulher preta que com seu crespo segura a minha mão e me faz hoje afirmar com toda minha força: “sou negra ainda que tu me queiras morena”.

Papo sério: Representatividade importa


Quem me acompanha no twitter sabe o quanto a questão de igualdade racial é importante na minha vida. Ultimamente, vem sendo o assunto que eu mais exponho minha opinião e a Iris já tinha conversado comigo um tempo atrás, sobre a gente começar a fazer posts para empoderar os leitores do blog sobre algumas questões importantes da sociedade.

por Olívia Pilar do Literalmente Falando via Guest Post para o Portal Geledés,
Então hoje eu resolvi falar um pouco sobre a importância da representatividade, focando principalmente em pessoas negras e produções da televisão brasileira (basicamente você também pode usar esse texto para analisar filmes e livros, porque geralmente é sempre a mesma coisa).

E pra isso eu vou contar um pouco sobre eu mesma.

Em algum momento da minha vida, eu resolvi que deveria mudar meu cabelo. Eu não lembro quantos anos tinha, ainda era uma criança, mas isso com certeza foi motivado pelo fato de não encontrar uma atriz negra na televisão brasileira que me mostrasse que meu tom de pele e meu cabelo não eram inferiores aos cabelos lisos de pessoas brancas. Tem outros fatores, claro, mas esse teve um grande peso.

Então eu fiquei até os 22 anos transformando meu cabelo de todas as formas possíveis para deixá-lo parecido com o que eu achava que a sociedade considerava o “certo”. Afinal, como eu poderia assumir meu cabelo crespo se eu não via ninguém mais o fazendo? É claro que eu tinha exemplos na minha família, mas para uma criança, isso geralmente não é suficiente.

E foi só de uns dois anos pra cá que eu comecei finalmente a perceber como nós somos deixados de lado em todas as esferas da sociedade. Algumas pessoas irão dizer que eu estou me vitimizando, mas pare e se coloque no lugar de uma adolescente negra e de classe média: ela tem amigos brancos, estuda em escola particular e, quando assiste uma novela ou um seriado, só encontra um igual nas vestes de empregado. Como se existisse um lembrete dizendo que seu futuro é destinado somente aquilo.

E é por isso que a representatividade importa. Porque se você encontrar uma pessoa com o tom da sua pele em um papel de destaque, que não seja figurante, que não sirva só para dizer que não há pessoas de cor em uma produção, você se sentirá motivado a assumir o que você é.

Isso provavelmente é muito difícil de ser compreendido para quem nunca precisou questionar nada com relação aos meios de entretenimento. Afinal, desde sempre o personagem principal é branco. E agora vocês devem estar pensando “Mas teve as duas personagens da Tais Araujo que eram protagonistas”. Sim, teve. Mas em ambas as novelas existem muitas questões problemáticas. Uma delas se chama Da Cor do Pecado, que nos leva a pensar sobre todo aquele discurso da constante hipersexualização da mulher negra.

E na outra (Viver a Vida), do horário nobre, em um momento a personagem da Tais se humilha para pedir perdão. Isso nunca aconteceu com nenhuma outra personagem de uma novela nesse horário. Por que com a Tais é diferente? Porque ela é negra, ela deve se agachar e pedir perdão de joelhos a uma mulher branca?

Têm algumas novelas em que a Camila Pitanga também era considerada protagonista, mas agora parando para pensar… ela sempre fez um personagem mais de apoio ao homem galã do que dona de seus próprios passos. Tem também os personagens do Lázaro Ramos, claro. Lázaro é um colírio para a minha vida, mas ele realmente recebe o apoio que outros com menos talento recebem?

“Bem, eu tinha 9 anos quando Star Trek foi ao ar. Eu olhei para a televisão e saí correndo pela casa gritando: “Vem aqui, mãe, todo mundo, depressa, vem logo! Tem uma moça negra na televisão e ela não é empregada!”. Naquele exato momento eu soube que podia ser o que eu quisesse.” – Whoopi Goldberg

Agora pensando nos atuais seriados da TV Globo: quantos deles têm um personagem negro como protagonista? E quando eu digo protagonista eu quero dizer aquele que tem a história focada nele e é contada pelo seu ponto de vista. A resposta é: nenhum. Aliás, dá pra contar em uma mão quantos negros têm nesses seriados.

Sexo e as Nêgas é o que contém o maior número, mas mesmo assim a história é contada por um homem na visão de uma mulher branca. As quatro mulheres negras não são sequer protagonistas e donas de sua própria história em um seriado que, teoricamente, carrega indícios de que deveriam ser para elas.

Eu tenho muitas coisas para falar sobre esse assunto, mas acho que algumas vocês mesmos devem começar a refletir. Andando pelas ruas, quantos negros você encontra? Agora, assistindo a uma novela, quantos deles você conta nos dedos? Não é injusto? Não é errado que nós devemos nos contentar com 3 participantes negros do BBB contra uma maioria esmagadora de brancos? Não é errado que em Are You the One BR só tenha um participante negro? Não é errado que de todos os seriados da TV Globo, em nenhum um negro ou uma negra é protagonista?

Recentemente eu li o discurso do diretor-escritor do filme Dear White People (um dos melhores que eu já vi e que deveria ser indicado em escolas) no Spirit Awards e que ajuda a entender um pouco mais sobre a importância da representatividade:

“Eu comecei a escrever esse filme há uns 10 anos como um impulso porque eu não via realmente minha história na cultura. Eu não via eu mesmo refletido nos filmes que eu amava (…) Eu tentei me colocar na cultura. Isso pode ser difícil quando não tem realmente nada aqui dizendo que você pertence a ela (…) Se você não se vê na cultura, por favor, se coloque lá, porque nós precisamos de você. Nós precisamos ver o mundo pelos seus olhos”.

Então, se você não se vê nos livros, nos filmes, nas séries… comece a falar sobre isso. Comece a dizer o que pensa. Comece a lutar para que haja alguma mudança. Nós temos que parar de aceitar que somente a história do outro seja contada. E isso não é somente para negros, como eu, isso é para todo mundo que quer ver diversidade nos meios de entretenimento, de comunicação e de tudo mais.

Lembre-se: Selma is now.

Fonte: Geledés.

III REUNIÃO DA MARCHA DAS MULHERES NEGRAS 2015 - COMITÊ BRASÍLIA/DF



por Renata Parreira
Marcha das Mulheres contra o racismo, violência e o bem viver...na concentração esse coletivo de mulheres se fortalecem e se empoderam na partilha e na necessidade de marcharem em uma mesma direção.






Sátira ao projeto da criação do "Dia do Orgulho Hétero"


Afinal, por que o projeto da criação do "Dia do Orgulho Hétero", do deputado, ativista e militante do movimento hétero, Eduardo Cunha, é tão fundamental? 

Assista:

Fonte: Põe Na Roda.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Meninos negros na escola: poder, racismo e masculinidade


Parte deste texto foi originalmente publicada na resenha intitulada “Diferentes e desiguais”,publicada por Adriano Senkevics na revista Em Aberto, v. 27, n. 92, p. 191-196, 2014. Para acessar o artigo original, clique aqui. Se preferir acessar o número completo da revista, clique aqui. Abaixo, apresento uma versão modificada do texto original, apenas com o intuito de publicação no blog Ensaios de Gênero.

Há variadas formas de se abordar a questão das diferenças – de gênero, cor/ raça, idade, origem, etc. – na escola. Uma delas, bastante em voga na atualidade, tende a enfatizar o aspecto multicultural que usualmente caracteriza a sociedade brasileira. Celebra-se nossa tão falada diversidade, porém, nem sempre tal abordagem mostra-se suficientemente capaz de apreender as disparidades de acesso ao poder que permeiam as relações sociais. Ao invés de encerrar o debate na diversidade cultural, é preferível tomá-lo como um ponto de partida para questionar o acesso diferenciado a bens simbólicos e materiais pelo conjunto da população e, em particular, pelo alunado.

Foi com esse intuito que Marília Carvalho organizou a obra Diferenças e desigualdades na escola, publicada em 2012. Composto por sete capítulos, o segundo deles, intitulado Formas de ser menino negro: articulações entre gênero, raça e educação escolar, de autoria de Andréia Rezende e Marília Carvalho, é fruto do trabalho de conclusão de curso da primeira autora e traz importantes reflexões sobre as relações de gênero e as desigualdades educacionais, com ênfase nos meninos e especial atenção para as articulações entre gênero e outras categorias sociais, tais como cor/raça e classe. Neste texto, discuto algumas contribuições desse capítulo.

O ponto de partida das autoras é a constatação, devidamente caracterizada por Fúlvia Rosemberge Nina Madsen (2011), de que as desigualdades de gênero na escolarização têm beneficiado as mulheres desde as últimas décadas. Sabe-se que as trajetórias escolares das garotas são menos acidentadas que a de seus pares masculinos. Além disso, são os meninos que ostentam maiores taxas de reprovação e evasão, assim como menores taxas de conclusão dos ensinos fundamental e médio. Não basta, contudo, descrever essas diferenças entre os sexos sem lançar mão de uma análise de gênero que procure investigar o contexto sociocultural que produz e mantém tais disparidades. Nesse sentido, o primeiro passo adotado por Rezende e Carvalho é levantar a seguinte questão: “quem são os meninos que fracassam na escola?”.

Uma importante pista é articular as desigualdades de gênero com as desigualdades de cor/raça, dado que as relações raciais estão imbricadas com hierarquias entre populações percebidas e classificadas como brancas, negras ou indígenas (Guimarães, 2009), no contexto brasileiro. Reconhecendo que são os meninos negros provenientes de camadas pobres da população as principais vítimas do fracasso escolar, as autoras objetivam discutir a construção das masculinidades em meninos negros e a relação que eles estabelecem com o processo de escolarização.

Capa da revista Em Aberta, volume 27, número 92, 2014, 
em que foi publicada a resenha que serviu de base para esse post.

Por masculinidades, adota-se o arcabouço teórico desenvolvido pela australiana Raewyn Connell (2005), para quem a masculinidade é uma configuração de práticas em torno da posição que os homens ocupam nas relações de gênero, isto é, práticas que os constroem enquanto homens (ou meninos, no caso) dentro de uma estrutura que atribui significados distintos àquilo que se entende como masculino ou feminino. Fala-se, evidentemente, das relações de poder que constituem o gênero. As autoras, assim, partem de um referencial teórico atual e lançam-se aos desafios de compreender como as masculinidades não dependem unicamente das relações de gênero, mas são também interpeladas por outras categorias como cor/raça e classe social, visto que a produção do fracasso escolar incide, ao mesmo tempo e num mesmo sujeito, majoritariamente, sobre meninos negros e pobres. Essas categorias não se somam como num colar de contas. Pelo contrário, elas se cruzam, se modificam, se recriam.

Para essa pesquisa, em particular, Rezende e Carvalho entrevistaram quatro meninos negros de oito anos de idade – ficticiamente chamados de Flávio, Reinaldo, Ícaro e Lauro – e suas professoras Priscila e Meire. Os rapazes foram entrevistados em 2006, quando se encontravam na 2ª série do ensino fundamental de uma escola pública do município de São Paulo. Nas entrevistas, gravadas, que foram realizadas em duplas, os alunos foram indagados acerca dos significados de ser menino e menina, de ser bom ou mau aluno e de ser negro, com o intuito de perceber como e em quais aspectos eles se diferiam ou se aproximavam entre si.

O primeiro aspecto digno de nota é justamente a classificação racial dessas crianças. Um incômodo com as categorias “preto” e “negro”, imbuídas de preconceitos já internalizados pelos meninos, os levaram a preferir o termo “moreno”. Concluem as autoras que esse termo aponta para um afastamento da negritude em prol de um pretenso branqueamento. Dado que a classificação racial é um processo subjetivo, que mistura elementos fenotípicos (tais como a tonalidade da pele e o tipo de cabelo) com um olhar acerca dessas diferenças que é inevitavelmente social, é esperado que a cor/raça com a qual o sujeito se identifique extrapole as usuais categorias apresentadas.

Ainda, as autoras remontam a estudos, como os de Carvalho (2009), que demonstram a assimetria entre os atributos utilizados para avaliar um menino ou uma menina. Delas, espera-se obediência, dedicação e esforço; deles, iniciativa e participação, ainda que sejam “bagunceiros”. A disciplina, em si, não costuma ser cobrada dos meninos, haja vista que as representações de masculinidades das professoras as incentivam a aceitar alguma dose de insubordinação como traço masculino. O mesmo não se pode dizer das meninas, cujo sucesso escolar é visto menos como fruto de seu talento e mais como recompensa pela sua dedicação.

Ainda há muito para se entender o que acontece dentro das escolas para que determinadores segmentos sociais sejam mais ou menos beneficiados em sua trajetória escolar.

O que a pesquisa de Rezende e Carvalho traz de mais inovador é revelar o caráter racial por trás de tais asserções. Na página 63, as autoras ousam ao afirmar que esses critérios mais frouxos para a avaliação dos meninos não incidem igualmente sobre brancos e negros. Dos segundos, esperar-se-ia uma dose maior de submissão e agrado – aqui entendidos como alternativa para que os meninos negros fossem reconhecidos na sala de aula como “bons alunos” e recebessem elogios das docentes.

A essa disparidade, acrescenta-se o estereótipo de delinquente usualmente atribuído aos meninos de pele escura: qualquer atitude menos dócil e mais agressiva, por parte deles, poderia ser interpretada como sinal de transgressão social, precursor de uma masculinidade violenta e amedrontadora. Em seguida, as autoras ilustram como os meninos lidavam com as dificuldades de aprendizado e como enxergavam o binarismo de gênero (menino vs. menina) na sala de aula.

Encaminhando-nos para a conclusão, pontua-se que o principal mérito do capítulo reside em sua abordagem corajosa de embrenhar-se em um tema delicado e complexo, sobretudo em virtude da ausência de um corpo sólido de pesquisas a cruzarem gênero, cor/raça e outras categorias. Suas limitações não se pode deixar de mencionar, e estas são evidenciadas pela necessidade constante de as autoras buscarem apoio na literatura internacional (que, apesar de enriquecer o trabalho, fala de outro contexto) e pela elaboração de conclusões um tanto quanto amplas, tendo em vista que o número pequeno de sujeitos entrevistados – coerente com um trabalho de conclusão de curso, diga-se de passagem – e as dificuldades do objeto de pesquisa não lhes permitiram formulações mais assertivas.

Fonte: Geledés.