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sábado, 22 de outubro de 2016

A vida depois de… sair do Caje e passar em primeiro lugar na UnB

Giovanna Bembom/Metrópoles

Conheça a trajetória de Ravena Carmo, que foi parar na unidade de internação aos 15 anos, conseguiu dar a volta por cima e hoje estuda na universidade

por Edson Caldeira,

“Revolucionário é todo aquele que quer mudar o mundo e tem a coragem de começar por si mesmo.” A frase de Sergio Vaz, poeta favorito de Ravena Carmo, ajusta-se perfeitamente à história de vida da jovem de 26 anos. Criada em Planaltina, logo cedo teve contato com o tráfico de drogas e, após passar por todas as fases de medidas socioeducativas, acabou privada de sua liberdade aos 14 anos.

Ela garante que foi por meio da educação e do comprometimento de um de seus professores no antigo Centro de Apoio Juvenil Especializado — o Caje –, que conseguiu dar a volta por cima. Após sair da internação, Ravena dedicou-se aos estudos e conseguiu passar em primeiro lugar no vestibular para ciências naturais da Universidade de Brasília (UnB).

Hoje, ela é mãe de um menino de 5 anos e voltou para a unidade de internação. Dessa vez, para trazer cultura e educação para os jovens internos.
Giovanna Bembom/Metrópoles

É no segundo bloco do campus da UnB de Planaltina que Ravena passa as tardes, estudando para seus últimos semestres do curso de ciências naturais. Ao circularmos pelo local, alunos e professores a cumprimentam numa atmosfera amigável e tranquila que é quase paradoxal, quando comparada ao seu passado.

Criada pela mãe, Ravena não tem lembranças nem o contato de seu pai, que foi embora quando ela tinha apenas 2 anos. Ela não atribui à falta de uma figura paterna nenhum fator de sua infância conturbada e muito menos imputa culpabilidade às circunstâncias do bairro onde nasceu.

Para ela, embarcar no mundo das drogas aos 12 anos foi uma decisão própria. “Rolou. Simplesmente aconteceu. Era tão natural ter aquilo perto de mim. Até porque o crime é algo fascinante”, sintetiza.

A naturalidade com que Ravena refere-se a esse assunto tem a ver com o cenário em que ela morou durante toda a sua vida. Planaltina, apesar do clima aconchegante de cidade pequena, constantemente aparece nos jornais por sua onda de crimes violentos, a maioria deles tem ligação direta com o tráfico de drogas.

Ravena também fazia parte dessa realidade. “Roubei uma vez só na minha vida, mas como eu entrei de verdade no mundo do crime, acabei tendo que passar por todas as medidas socioeducativas que existem. Levei desde advertência até a parte pior de todas, que foi a internação.”
Giovanna Bembom/Metrópoles

As medidas socioeducativas previstas no Artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são aplicáveis a adolescentes que cometem atos infracionais. Assim como ocorre com os crimes comuns, as penas são baseadas no princípio da proporcionalidade e possuem um nível de gradação, podendo chegar à fase de reclusão.

Ravena foi encaminhada à antiga Unidade de Internação do Plano Piloto (Uipp), conhecida como Centro de Apoio Juvenil Especializado (ou Caje) mais de uma vez. A última, bem traumática, foi depois de responder por uma tentativa de assassinato quando foi cobrar dívidas de drogas de uma mulher.
Lá era máquina de fazer bandido mesmo. O cheiro é algo que está cravado na minha memória. Um cheiro de cadeia mesmo. Um ambiente muito hostil e sem esperança."
Ravena Carmo

Apesar disso, a estudante conta que o período fez com que ela mantivesse contato com psicólogos e professores. Um deles, de quem ela lembra com carinho, é Clayton Meiji Ito. Além de desenvolver um projeto de teatro, o professor dava aula de matemática dentro da unidade. “Ele era do ‘caralho’. Muito bom. Um dia disse para mim que veria meu nome na UnB. Só que eu ria porque não acreditava mesmo que poderia estar onde estou. Eu nem sabia o que era escola direito.” 
 
Giovanna Bembom/Metrópoles

Para Ravena, Meiji cumpriu o papel de um professor, que não é simplesmente passar conhecimento, mas plantar uma semente de esperança dentro do coração dos alunos. Enquanto estava dentro do Caje, a jovem, além de estudar, participava de campeonatos de poesia (os quais sempre ganhava) e fazia aulas de grafite.

“Para mim, a solução não foi a medida socioeducativa. Foi a educação. E, quando falo isso, me refiro à educação e à cultura porque elas não se separam de forma alguma.” Ravena permaneceu reclusa por dois anos e 11 meses e saiu quando estava prestes a completar 18 anos.

A estudante conseguiu emprego em uma loja por indicação de um amigo. Para ela, é fundamental que os adolescentes sejam acompanhados de perto e direcionados para novas oportunidades quando saem da internação.
"O sistema socioeducativo aqui de Brasília é muito falho. Não há suporte quando o adolescente sai da internação. Ok, ele cumpriu a medida, mas muitos não têm casa para morar, não têm onde dormir, não têm o que vestir e acabam voltando para o crime"
Ravena Carmo

Mesmo sem o apoio, Ravena pediu demissão e, com o dinheiro, entrou em um cursinho pré-vestibular. Não passou na prova de primeira. Apesar do desânimo, decidiu que permaneceria estudando. Ravena, que agora era mãe do pequeno Miguel, começou a estudar por aulas avulsas no YouTube e conquistou o primeiro lugar no curso de ciências naturais da UnB. 
 
Giovanna Bembom/Metrópoles

Apesar da celebração, ela encontrou novas dificuldades no primeiro semestre. “Tive outro choque quando entrei aqui, porque escola regular eu só estudei até o quarto ano. Universidade era algo muito novo para mim. Chorava todos os dias no banheiro porque o professor começava a falar de tabela periódica e eu não entendia nada.”

Além de compreender as matérias, Ravena confessa que teve de aprender a estudar. As imposições do curso, em vez de intimidá-la, deram força para que se adequasse ao ritmo e, com o tempo, a jovem foi se adaptando, fazendo amizades e buscando saber qual era seu papel na universidade.
Logo no começo do curso, já estava ministrando oficinas para jovens em unidades de internação. “Foi uma experiência inesquecível entrar pela porta da frente sem ser revistada. Tanto que vou desenvolver meu TCC sobre essa experiência. Quero virar doutora em socioeducação porque eu acredito na juventude. Vou dar o meu melhor para ajudar pessoas usando a arte e a educação.”
Ravena atualmente é militante do movimento hip hop e participa ativamente do projeto “Educação e Psicologia – Mediações possíveis em tempo de inclusão”, coordenado pela professora e psicóloga Juliana Caixeta.
Giovanna Bembom/Metrópoles

O projeto compreende a inclusão como fator primordial para a construção de um mundo mais justo e solidário. Uma das iniciativas, criada por ela, estimula os jovens a se expressarem por meio de poesias. Para Ravena, a estratégia do “Poesias nas Quebradas” funciona porque a arte é livre, muda caminhos e dá voz e liberdade aos sentimentos. E ela não planeja parar por aí.
"O que mais aprendi foi que a gente só precisa de um empurrão. Alguém que te diga: “Você dá conta”. Ter uma pessoa que acredita em você não é utopia, é algo verdadeiro porque aconteceu comigo. A força está nos jovens."
Ravena Carmo
Fonte: Metropoles

Nota de Repúdio à Violência Policial no Distrito Federal e Entorno


Nota de Repúdio à Violência Policial
no Distrito Federal e Entorno

A Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Distrito Federal e Entorno, do Sindicato dos Bancários de Brasília, repudia a atuação policial com abuso de autoridade sobre um jovem negro e uma consultora da Comissão, presenciada por consultores/as desta instituição no último sábado, 15 de outubro, na Escola Estadual Boa Nova, localizada no município Professor Jamil, Estado de Goiás.

Em visita técnica às comunidades quilombolas daquela região a Comissão debatia justamente as demandas da população negra no que se refere aos direitos humanos quando foi surpreendida pela imagem do referido jovem sendo obrigado por policiais militares a permanecer com o rosto colado ao asfalto quente.

O abuso de autoridade foi reafirmado quando os dois agentes públicos invadiram o local da reunião com arrogância, em direção às pessoas que participavam da reunião. Um cabo da Polícia Militar avançou em uma das consultoras dessa Comissão para tomar o telefone celular da mesma, alegando que ela teria filmado a abordagem policial. Porém, um senhor de 87anos entrou na frente impedindo de levarem o celular. Em seguida, os policiais, tentaram levar a Consultora para uma delegacia. Com intervenção da advogada e Presidente da Comissão, Lucélia Aguiar, que se dirigiu até os policiais dizendo que a Consultora, não entraria na viatura, porque não haveria motivos para levá-la, caso contrário teriam que levar todos/as que presenciaram o ato.

Diante do excesso, o caso foi registrado na Delegacia Distrital de Aparecida de Goiânia e será apresentada denúncia em outras instituições públicas para as devidas providências.

Atuações como as adotadas por estes policiais fazem com que o Brasil ocupe a 10ª posição entre os 100 países mais violentos do mundo (Mapa da Violência, 2016). Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), somente em 2014 foram registradas 80 mortes por intervenção legal, segundo os registros policiais no estado do Goiás. Outros 16 homicídios foram cometidos por policiais fora de seu expediente. Isso sem contar excessos que resultaram em danos físicos e psicológicos de inocentes “abordados” dessa maneira.

Apoiada em dados oficiais, a Comissão ressalta ainda que “aos 21 anos de idade, quando há o pico das chances de uma pessoa sofrer homicídio no Brasil, pretos e pardos possuem 147% a mais de chances de ser vitimados por homicídios, em relação a indivíduos brancos, amarelos e indígenas” (IPEA, 2014).

O domínio da autoridade e a justiça social deveriam ser a essência de qualquer instituição, com o objetivo de que um Estado que se pretenda democrático e de Direito seja fato. Porém, no Brasil este é um tema a ainda ser aprofundado, especialmente nas instituições promotoras da segurança e da justiça.

Fonte: Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Distrito Federal e Entorno

O Racismo, o vitimismo e o entendimento da Raça



por Tchulys Oliveira,

O que temos passado à nossos filhos hoje?
Quando algo nos é mostrado e nos sentimos no dever de opinar sobre uma conduta, como nos dirigir a ela?
Uma garota de apenas 14 anos e estudante do ensino médio, é abordada na hora do intervalo por 5 garotos e agredida covardemente pelas costas ,enquanto era agredida gritavam: “Cabelo de palha de aço, minha mãe disse que se eu visse um ,poderia levar para casa.”
O colégio se manifestou dizendo: isso “ Isso foi apenas um conflito entre alunos” ,mas os pais da garota insistiam em uma punição para os cinco garotos e a escola insistia em nada fazer, depois alegando que o direito a opinião de cada um deveria ser respeitado.
Então é ensinado em casa pelos pais a ter uma “opinião” racista?
Jamais foi visto uma punição exemplar quando o assunto era o racismo. Agora tudo é tratado como Injúria Racial ou divergências de opiniões.
Talvez se faça ser necessário reeducar os pais para que eles possam ao menos deixar um Legado de igualdade aos seus filhos e que este não seja o Legado do Racismo.
Reflitam: “Nós somos todos animais e assim classificados entre : Racionais e Irracionais, nós racionais pertencemos a uma única espécie a Homo sapiens e a nossa Raça é a Humana.”
Ignorantemente as pessoas ligam a raça com o tom de pele, julgam, condenam e têm como certo o domínio da sua verdade absoluta.
Guerras por questões racistas são de fato um retrocesso da humanidade e cabe a nós mesmos (Negros) a fazer o caminho inverso dos que pregavam a supremacia branca . Continuar lutando por igualdade ,sabemos que somos a maioria ,mas que não somos supremamente Negros .
“Preguemos a Supremacia da Igualdade” ,instruindo nosso povo a ler ,estudar e se informar muito a respeito de nossos direitos e ensinar a separar o que é ser vitimísmo do que de fato é o racismo.
O importante é não se calar diante de determinadas situações , você Homem , mulher , Adolescente ou um pai ensine á seu filho o quão importante é não se calar.
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Imagem de destaque – Brain Pop


Tchulys Oliveira
Olá, me chamo Juliana Oliveira, tenho 37 anos ,3 filhos e Ativista dos direitos da mulher e em especial a mulher negra. Foi quando virei Tchulys Oliveira. Venho de uma família com vasto histórico de violência doméstica, de onde já se viu de tudo um pouco: roubo, estupro, suicídio, questões de ética dentre elas o racismo contra os Brancos. Três casamentos, e de cada um deles um filho ,me tornei mãe a primeira vez aos 22 anos, deixando para trás a carreira de bailarina para me dedicar somente a de mãe. Para mim a vida nunca foi fácil ,mas aprendi que torná-la mais difícil dependia daquilo que eu fizesse e escolhi fazer o certo para tentar ser feliz.

Fonte: Blogueirasnegras

Minicurso Povos e Comunidades Tradicionai de 24 a 27/10 na UnB

Figura: Manos de hambre, de Guayasamín (Equador)


IMPORTANTE: inscrições no site: Inscrições: https://sistemas.unb.br/siex/publico/oferta_extensao_listagem.xhtml.

( procurando pelo minicurso POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, da semana acadêmica)

30 VAGAS

PROGRAMA MINICURSO DE DIREITOS HUMANOS
POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

BLOCO 1- CONVENÇÃO 169: para além da discussão hegemônica da consulta prévia, livre e informada.
Data 24/10- 19 às 22h.
Objetivo: Analisar os principais documentos internacionais e nacionais em relação a povos e comunidades tradicionais.

1. Decretos nº 6.040/2007 e 8.750/2016
2. Convenção 169-OIT ( Decreto nº 5.051/2004): a) conceito de povos indígenas e povos tribais ou tradicionais; b) autodefinição e problemas salientados; c) consulta prévia, livre e informada ( diferença em relação a consentimento)- arts. 6º e 7º ; d) sistema jurídico próprio- arts. 8º , 9º e 10, encarceramento e “cláusulas de freio”; e) territorialidade- arts. 13 a 19; f) seguridade social e saúde ( auxílio maternidade, crítica ao subsistema de saúde indígena, etc)- arts. 24 e 25; g) educação- critérios: arts. 26 a 31; h) questão da criança indígena ( observação geral nº 11, de 2009, convenção de direitos da criança).
3. Complementar: Consulta indígena e história colonial: Colombia y las Américas, de México a Bolivia, entre derechos humanos y derecho constitucional, 1989-2014, Bartolomé Clavero. Quaderni Fiorentini, 44 (2015).
4. Complementar: Direitos indígenas: a diversidade cultural e as “cláusulas de freio”, de César Augusto Baldi
5. Continuação da discussão, dando notícia sobre a declaração da ONU e declaração americana sobre povos indígenas e a questão da interpretação. Parâmetros: Bartolomé Clavero e o valor vinculante da Declaração da ONU (art. 42)- documento do Foro Permanente de Questões Indígenas; Bartolomé Clavero- Declaración americana sobre derechos de los pueblos indígenas: un reto difícil. Casos clássicos: Caso Awas Tigni vs. Nicaragua; Caso Sarayaku vs. Ecuador.

BLOCO 2 - Palenques, quilombos, Marronage: um processo continental de resistência.
Dia 25/10- 19 às 22h.
Objetivo: Apresentar a discussão da regulamentação constitucional sobre quilombos, dentro de um enquadramento latino-americano de lutas contra a escravidão e o racismo. Destaque para quilombos urbanos e regularização pelo Estatuto da Cidade. 
 
1. Territorialidade étnica e proteção jurídica: as comunidades quilombolas e a desapropriação, de César Augusto Baldi
2. Complementar: Quando os afrodescendentes se tornaram “povos tribais”: o sistema interamericano de direitos humanos e as comunidades negras rurais, de Ariel Dulitzky.
3. Caso Saramaka vs. Suriname; Caso Moiwana vs. Suriname. Discussões sobre pluralismo jurídico e buen vivir afros.

BLOCO 3 - Outras territorialidades e as discussões ausentes.
Dia 26/10- 19 às 22h.
Objetivo: Salientar a diversidade de questões envolvendo povos e comunidades tradicionais, em especial a proteção jurídica de seus territórios, que não se resume à questão de posse e propriedade. Atenção especial para: a) acesso à água; b) habitação culturalmente adequada; c) acesso a outros territórios ( ex. matas); d) igualdade extensiva.
1. Pescadores artesanais, justiça social e justiça cognitiva: acesso à terra e à água, de César Augusto Baldi.
2. Pueblo Rrom y derechos colectivos: algunas notas sobre su derecho a la vivienda digna, de Juan Carlos Gamboa Martínez e Carmen Rosa Guerra Ariza.
3. Dificuldades e limites da regularização fundiária de territórios de povos de terreiro, de Bruno Barbosa Heim.
4. Outras territorialidades, conflitos socioambientais e tendências da jurisprudência internacional.
5. Corte Interamericana: Caso Triunfo de la Cruz vs Honduras; Caso Comunidad Garífuna de Punta Piedra vs Honduras. Caso Pueblos Kaliña y Lokono vs. Surinam. Caso de los Pueblos Indígenas Kuna de Madungandí y Embera de Bayano vs Panamá.

BLOCO 4 - A discussão sobre o direito à terra e o direito agrário.
Dia 27/10- 19 às 22h.
Objetivo: Apresentar o “estado da arte” sobre a discussão do direito agrário e do direito à terra como direito humano. Os textos complementares dão conta da concentração de recursos e da venda de terras para estrangeiros no mundo todo.
1. O direito à terra como direito humano: argumentos em prol de um direito específico à terra, de Jérémie Gilbert
2. A renovação do direito agrário e os quilombos: identidade, território e direitos culturais, de César Augusto Baldi
3. Complementar: Expulsions: brutality and complexity in the global economy, de Saskia Sassen
4. Complementar: Oxfam: Um mundo tão desigual é viável? http://www.oxfam.org.br/noticias/um-mundo-tao-desigual-e-viavel
 

Internet como um apêndice da resistência negra

Imagem: Everyday Feminism

por Mariana Barbosa,
Fui acusada de ter um discurso panfletário, típico de quem faz “feminismo blogueiro” e participa de “movimento social de internet”.

À PRIORI fiquei extremamente ofendida. Como alguém que não conhece os aspectos pessoais do que eu acredito, em termos políticos, pode me acusar de estar restrita a uma conduta falsa e pretensamente revolucionária; quando eu não acredito em nenhuma dessas instâncias?

No segundo seguinte, comecei a compreender que talvez seja eu quem não tenha, ainda, um entendimento real de onde eu estou na cadeia alimentar da militância de internet.
O que sou eu senão uma feminista blogueira que pratica um movimento social na internet? Ora bolas, caçarolas: as coisas mais importantes da minha trajetória enquanto ser que pensa, debate e policia suas condutas pessoais e opiniões políticas está justamente gravada nos dados que compõem o web espaço do blogueiras negras.

Está aqui o meu primeiro texto, que marca os meus primeiros contatos com o movimento negro dentro da minha universidade. Aquela era eu, super esperançosa, meio boba e ingênua, com um discurso massificador de militância negra que me constituiu enquanto ser evolutivo.

Aqui também está a minha obra prima. A minha ruptura. Meu parto de um novo “eu”: extenso, dialético, violento. Um texto que demorou meses pra surgir, me deixou noites sem dormir, me trouxe uma série de respostas violentas que ninguém ousou publicar. Esse foi um divisor na minha conduta e no meu entendimento do que é o feminismo negro e interseccional que eu gostaria de construir e me trouxe o entendimento de que de nada valeria um senão de discursos mastigados dentro do movimento estudantil sem uma conduta pessoal que refletisse os meus princípios.

Conheci algumas das melhores mulheres do mundo nesse blog. Li algumas das coisas mais geniais e intangíveis nos perfis de algumas dessas mulheres e que a académica pode nunca acessar.

Me recuso a dar à academia a autoridade de determinar sob quais bases as minhas reflexões políticas serão construídas. E não porque eu não tenha lido suas correntes e teóricas ou porque não compreenda a importância de dominar espações de poder e me expressar segundo seus códigos. Mas porque a academia está sempre um, dois ou dez passos atrás do que a velocidade da internet me trouxe em termos de feminismo. A realidade.

Eu faço parte de um movimento social que só é possível, na forma e com a força que existe, porque existe a internet. Porque existe um canal de conexão e contato entre mulheres e saberes não formais que possibilita um tipo de experiência que a academia demorará anos para classificar como relevante.

O Blogueiras Negras me apresentou Paula Chiziane, Chimamanda, o Reaja, Black Lives Matter e o Mães de Maio; que, não por acaso, foi o tema do meu primeiro artigo científico na academia, lá em 2013.

Então cara, sinceramente, eu sou feminista panfletária, blogueira de internet.
E, ao contrário do que você pensa, isso não significa uma estática de pensamento. Isso significa que tudo que eu conheço, penso e alcanço pode ser (re)definido na velocidade de uma conexão.

Isso é poderoso.

É poderoso porque quando mulheres se encontram e panfletam diuturnamente seus direitos, isso promove uma mudança de comportamento social coletivo. Ainda que mínima.
E não, não estamos deixando de enfrentar nossas questões nas trincheiras do mundo real. Só ganhamos uma nova forma de nos posicionar.

Aliás, obrigada pela provocação.

Além de um texto que simboliza uma re-conexão com esse blog que, por vezes, me aliviou a vida só por ser um espaço pra desabafar, isso me fez relembrar a importância das coisas que aparecem na minha timeline na resolução e na percepção dos conflitos que eu vejo como extensionista!

Enfim, esse texto é uma ode ao feminismo blogueiro, a esse site e às mulheres que o coordenam, por tornar esse espaço possível e trazer pro mundo concreto todas as microrrevoluções cotidianas que nascem dos nossos contatos intra-net!

Imagem de destaque: Everyday Feminism
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Mariana Barbosa
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília - UnB Militante da Frente de Negritude da Faculdade de Direito, FD-UnB Membro do Grupo de Estudos Afrocentrados da UnB

Fonte: Blogueirasnegras

9 expressões populares com origens ligadas à escravidão; e você nem imaginava


Certas expressões populares se tornam de tal forma parte de nosso vocabulário e repertório que é como se sempre tivessem existido. Dor de cotovelo, chorar as pitangas, dar com os burros n’água, engolir um sapo ou salvo pelo gongo, tudo é dito como se fosse a coisa mais natural e normal do mundo.

Mas se mesmo as palavras mais corriqueiras possuem uma história e sua própria árvore etimológica, naturalmente que toda e qualquer expressão popular, das mais sábias e profundas às mais bestas e sem sentido, possuem uma origem, ora curiosa e interessante, ora sombria e simbólica de um passado sinistro.

Pois muitas das expressões que usamos no dia a dia, e que hoje comunicam somente seu sentido funcional – aquilo que atualmente a frase “quer dizer” – são originarias de um vergonhoso e longo período da história do Brasil: a escravidão.



Ainda que os sentidos originais tenham se diluído em algo trivial, essa origem permanece, como em toda palavra ou frase comum, feito um DNA marcando nossa própria história.


O Brasil foi o país que mais recebeu escravos no mundo, e o último país independente do continente americano a abolir a escravidão. Conhecer o sentido original e a história de uma expressão é saber, afinal, o que é que estamos falando. Por isso, essa seleção de nove expressões populares criadas durante o período da escravidão no Brasil – uma época que faz parte de nosso passado, mas que possui ainda forte influência sobre nossa realidade atual. 
 
1. Tem caroço nesse angu

A expressão, que significa que alguém estaria escondendo algo, tem sua origem em um truque realizado pelos escravos para melhor se alimentarem. Se muitas vezes o prato servido era composto exclusivamente de uma porção de angu de fubá, a escrava que lhes servia por vezes conseguia dar um jeito de esconder um pedaço de carne ou alguns torresmos embaixo do angu. A expressão nasceu do comentário de um ou outro escravo a respeito de certo prato que lhe parecesse suspeito.
2. A dar com pau

“Pau” é um substantivo utilizado em algumas expressões brasileiras, e tem sua origem nos navios negreiros. Muitos negros capturados preferiam morrer a serem escravizados e, durante a travessia da África para o Brasil, faziam greve de fome. Para resolver a situação, foi criado então o “pau de comer”, uma espécie de colher que era enfiada na boca dessas pessoas aprisionadas por onde se jogava a comida (normalmente angi e sapa) até alimenta-los enfim. A população incorporou a expressão.

 
A única foto que se tem notícia de um navio negreiro brasileiro, tirada por Marc Ferrez

3. Disputar a nega

Essa expressão, que significa disputar mais uma partida de qualquer jogo para desempatá-lo, possui sua origem não só na escravidão, como também na misoginia e no estupro (o que espanta que até hoje seja utilizada com tanta naturalidade). Sua história é simples e intuitiva: quase sempre, quando os senhores do passado jogavam algum esporte ou jogo, o prêmio era uma escrava negra.

Escrava trabalhando mesmo que com o filho a tiracolo

4. Nas coxas

A origem da expressão, que quer dizer algo mal feito, realizado sem capricho, é imprecisa, e não há consenso sobre se ela viria de fato do período da escravidão. De todo modo, a vertente mais popular afirma que a expressão viria do hábito dos escravos moldarem as telhas em suas coxas que, por possuírem tamanhos e formatos diferentes, acabavam irregulares e mal encaixadas.
5. Espírito de porco

Ainda que a origem da expressão venha da injusta má fama associada ao animal, por uma ideia de falta de higiene, sujeira e impureza, tal má fama é oriunda de princípios religiosos. Durante o período escravocrata, os escravos se recusavam e eram obrigados a matar o animal, para que servisse de alimento. A recusa vinha porque se acreditava que o espírito do animal abatido permaneceria no corpo de quem o matasse pelo resto de sua vida e, para complementar tal crença, a incrível semelhança que o choro do porco possui com um lamento humano tornava o ritual ainda mais assustador.
6. Para inglês ver


Essa expressão tem sua origem na escravidão, e também no mal hábito ainda atual brasileiro de aprovar leis que não “pegam” (que ninguém cumpre e nem é punido por isso). Em 1830, a Inglaterra exigiu que o Brasil criasse um esforço para acabar com o tráfico de escravos, e impusesse enfim leis que coibissem tal prática. O Brasil acatou a exigência inglesa, mas as autoridades daqui sabiam que tal lei simplesmente não seria cumprida – eram leis existentes somente em um papel, “para inglês ver”.


7. Bucho cheio ou Encher o bucho


Expressão mais comuns em Minas, eram usadas tanto pelos escravos quanto por seus exploradores, evidentemente que com outra conotação da que se usa hoje. Atualmente significando estar bem alimentado, de barriga cheia, na época significavam a obrigação que os escravos que trabalhavam nas minas de ouro possuíam de preencher com ouro um buraco na parede, conhecido como “bucho”, para só então receber sua tigela de comida.

 
Escravos trabalhando em Minas, em rara foto da época

8. Meia tigela


A partir da expressão anterior, a história segue, dando origem a expressão “meia tigela”, que significa algo sem valor, medíocre, desimportante. Quando o escravo não conseguia preencher o “bucho” da mina com ouro, ele só recebia metade de uma tigela de comida. Muitas vezes, o escravo que com frequência não conseguia alcançar essa “meta” ganhava esse apelido. Tais hábitos não eram, porém, restritos às minas, e a punição retirando-se parte da comida era comum na maioria das obrigações dos escravos.

9. Lavei a égua


Por fim, a expressão “lavar a égua”, que quer dizer aproveitar, se dar bem, se redimir em algo, vem também da exploração do ouro, quando os escravos mais corajosos tentavam esconder algumas pepitas debaixo da crina do animal, ou esfregavam ouro em pó em sua pele. Depois pediam para lavar o animal e, com isso, recuperar o ouro escondido para, quem sabe, comprar sua própria liberdade. Os que eram descobertos, porém, poderiam ser açoitados até a morte.







© imagens: Arquivo/Marc Ferrez

sábado, 15 de outubro de 2016

Aos mestres, com carinho! - Feliz dia dos Professores


Estimados e admirados mestres, hoje é um dia muito especial em nossas vidas e nós queremos compartilhar e dedicar esse momento a vocês, que com tanta paciência e sabedoria nos transmitiram conhecimento, e tanto tempo dedicaram à nossa formação.

Vocês têm uma missão belíssima, e fazem parte não apenas da nossa formação profissional, mas também da nossa formação humana. Muitas das coisas mais importantes que aprendemos com vocês são valores humanos, é a ética que vamos levar para a nossa profissão, e também para o nosso dia a dia.

Sabemos que o desafio ainda está apenas começando, mas nos sentimos preparados para enfrentar todos os obstáculos graças ao apoio de vocês. E nos sentimos também honrados por termos aprendido com vocês.

Recebam os nossos mais sinceros agradecimentos pelos ensinamentos que nos deram, e recebam esta nossa singela homenagem, com muito amor e carinho!

Ao mestre com carinho (To sir with love)

Congresso da Nação Hip Hop DF (22/10)


A Nação Hip Hop é uma entidade sem fins lucrativos e se organizada com representantes do movimento hip-hop, com o objetivo coletivo de efetivar uma organização em rede, travar as discussões sobre as principais pautas e demandas do movimento, potencializar as ações positivas desenvolvidas por seus protagonistas e desencadear o processo das grandes lutas sociais com a efetiva participação de quem faz o hip-hop no Brasil e agora chegou a vez do Distrito Federal.

A Nação Hip Hop Brasil, foi fundada em 22 de Janeiro de 2005, e atualmente esta organizada em 14 Estados da Federação e no Distrito Federal, conta com o apoio de diversos artistas, colaboradores e entidades em todo o território nacional, compõe diversos fóruns, redes e coletivos, atuando e contribuindo na disseminação do hip-hop e nas ações de políticas públicas para a juventude

No dia 22 de outubro à partir das 14 horas teremos o primeiro congresso da Nação hip Hop DF, o evento contará com:
  • Debates
  • Show´sAmostras
  • Batalha de mc's
  • Poesia
Todas as crew's e coletivos estão convidadas a estarem somando e dando suas contribuições para que se fortaleça a Nação Hip Hop aqui no DF.

Serviço
Data: 22/10 - Sábado
Hora: a partir das 14:00hrs
Local: SCS - Setor Comercial Sul de Brasília/DF

Olá irmãs


por 

Olá irmãs,

Desde muito cedo senti na pele o preconceito racial, e em razão disso, ainda na adolescência passei a alisar meus cabelos que sempre foram muito cacheados e volumosos.
Tive experiências que me marcaram profundamente, mas que fizeram com que me tornar uma mulher forte e empoderada das minhas origens e dos meus traços.
Já fui confundida com babá de meu próprio filho.
Em uma entrevista de trabalho já me disseram que o cargo seria meu se eu saísse com o entrevistador, afinal ele gostava de mulheres negras.
Também perdi trabalhos por ser negra.
Fui humilhada em trabalhos com palavras como: não sabia que agora contratavam macacas pra trabalhar aqui…
Ainda em construção do auto conhecimento como mulher negra, no início esses e muitos outros fatos que somente denegriam ainda mais a imagem que eu tinha da minha cor me fizeram creditar uma imagem deturpada do que realmente significava minha cor perante a sociedade.
Passei a conviver com uma intrusa dentro de mim, alguém que não conseguia enxergar valor nem beleza em si própria.
Afinal eu não me enquadrava dentro do esteriótipo de beleza que a sociedade me impunha e fizera acreditar ser o ideal.
E como se muda uma ideia enraizada anos a fio dentro de nós?
Não foi por mim mesma que o fiz.
Meus filhos nasceram um claro como o pai e o outro escuro como a mãe.
Comecei a perceber o quão importante era passar para eles valores que os permitissem se sentir integrados e que os fortalecesse para um mundo que eu mesma por muito tempo não estive apta a enfrentar.
Com os primeiros passos deles, vieram os primeiros passos do meu autoconhecimento e reconhecimento da importância da desconstrução de velhas ideias e adoção de novos e valorosos pensamentos.
Que já não mais segregassem, deturpassem, ou diminuíssem mas sim que nos empoderassem.
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Imagem de destaque – Revista Ágora


Rita de Cássia da Silva Reche
Nome: Rita de Cássia da Silva Reche tem 42 nos e mora em Porto Alegre.
 

Martírio: um filme que o Brasil precisa ver

 
Antes que você mergulhe no texto do cientista social e jornalista Felipe Milanez, eu – Mônica Nunes, uma das editoras e cofundadoras do site Conexão Planeta – quero contar porque o escolhi para falar do filme Martírio, de Vincent Carelli, aqui no site.

Assisti ao documentário na abertura da Aldeia SP – Bienal de Cinema Indígena, em 6/10. Foi a primeira exibição do filme em São Paulo, depois de passar pelo Festival Internacional do Cinema de Brasília, há duas semanas, onde arrancou aplausos emocionados da plateia. Em São Paulo não foi diferente. O filme de mais de duas horas (não senti passar o tempo) é um soco (bem dado) no estômago, um grito de socorro, uma denúncia urgente, mas também uma reverência aos povos indígenas, em especial aos Guarani Kaiowa, seus protagonistas.

Desejava muito ver este trabalho de Carelli – que admiro desde que descobri o projeto Vídeo nas Aldeias, em 2008 – e escrever sobre ele. Mas, ao final do filme, decidi publicar o artigo que Felipe escreveu para sua coluna no site da revista Carta Capital (publicado em 22/9), logo após a exibição em Brasília. E o faço com algumas licenças como a troca da imagem de abertura e do título.

Troquei o título original – Martírio: um filme para indignar Brasília – pelo de outro texto que Felipe escreveu em 2013, também para o mesmo site, quando entrevistou Carelli: Martírio, um filme que o Brasil precisa ver. Nessa época, o documentário ainda estava sendo finalizado e acabava de ser bem sucedido em uma campanha de financiamento coletivo, que não só garantiu sua conclusão, mas também permitiu equipar os índios com câmeras fotográficas para que registrassem os ataques promovidos por fazendeiros.

No artigo a seguir, Felipe diz muito do que sinto e penso sobre a última obra de Vincent Carelli, a segunda de uma trilogia. Com sua escrita afiada – entre outros recursos -, Felipe luta pelos povos indígenas há muitos anos. Admiro sua garra e sou grata pela generosidade com que aceitou meu convite para compartilhar suas reflexões também com os leitores do Conexão. Boa leitura! 
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por Felipe Milanez
Há um momento no documentário Martírio (2016, 160 min), de Vincent Carelli – e peço licença se estragar alguma surpresa, mas este ponto que quero destacar está também na foto abaixo (reprodução do filme) -, quando um indígena Kaiowa diz: “O que tá pegando a gente é o capitalismo“.


Desde que assisti Martírio, em um encontro com Carelli em Olinda (PE), poucas semanas atrás, essa frase, dita nesse contexto, por essa voz no belo ritmo da língua guarani, não sai da minha cabeça. O capitalismo está pegando os indígenas.

Tal como um monstro – em uma analogia feita por Ailton Krenak que disse que é “quando o mercado acorda de mau humor e quer comer uma montanha” –, os Kaiowa e Guarani fazem uma precisa análise da situação em que se encontram e procuram traçar estratégias de autonomia e liberdade. Mas, como enfrentar o capitalismo que também é responsável pela destruição cultural, além da física e outras dimensões que afligem os indígenas?

Em 22/9, o documentário Martírio será exibido pela primeira vez no Brasil, no Festival Internacional de Cinema de Brasília. Este é o segundo filme da trilogia de Carelli – indigenista, documentarista e criador do projeto Vídeo nas Aldeias – ainda em andamento. O primeiro foi Corumbiara (que conta sobre o massacre de índios na Gleba de Corumbiara, em Rondônia, em 1985, denunciada pelo indigenista Marcelo Santos), o segundo, Martírio, e o final será Adeus, Capitão.

Diferentemente dos filmes do projeto Vídeo nas Aldeias, esta trilogia se baseia em longo trabalho investigativo de Carelli: são filmes produzidos ao longo de três décadas, que revelam sua visão a respeito da luta indígena, apresentada em meio a profundas mudanças no país.

A trilogia de Vincent é, ao mesmo tempo, material histórico do registro de um tempo, da transição da ditadura para a democracia, em um processo no qual os povos indígenas foram constantemente excluídos das garantias aos direitos fundamentais e do acesso aos aparelhos do Estado, sempre mantidos de forma privilegiada nas mãos de poucos e brancos.

Em 2013, escrevi texto nesta mesma colunaMartírio: um filme que o Brasil precisa ver – para apoiar o financiamento coletivo adotado por Carelli para a realização desse documentário, que conseguiu superar a meta e arrecadar R$ 85 mil. Os recursos foram insuficientes para a produção de todo o filme, mas fundamentais para avançar na sua produção e também ajudar a equipar os acampamentos dos indígenas em situação de risco e permanente ameaça, para que eles registrassem os ataques e pudessem mostra-los ao Brasil.

Naquela ocasião, entrevistei Carelli, que me disse: “Agora, com essa tragédia com os Guarani Kaiowa, é preciso fazer algo, e o cinema é uma ferramenta poderosa, aprendi isso com Corumbiara. Não é por gosto que tenho tratado do tema da violência contra os índios, mas por imposição dos acontecimentos”.

Eu já imaginava e, por isso, sugeri – no título do artigo – que Martírio era “um filme que o Brasil precisa ver”. Agora, pronto e finalizado, o Brasil precisa ver, mesmo!

Carelli diz que fez o documentário “por imposição dos acontecimentos” e, assim, concluiu uma obra extraordinária. Bastante longo, Martírio é denso e profundo, ao mesmo tempo conduzido com uma contraditória suavidade que nos permite acompanhar seus passos, nos indignar, mas sempre com um grande respeito aos personagens e às reflexões apresentadas.

É um documentário que traduz a profunda indignação que tem caracterizado a vida de Vincent Carelli: essa imposição de gritar, de se indignar, se insurgir, da revolta contida dentro do peito desde a primeira vez em que ele esteve entre os Kaiowa e Guarani, nos anos 1980.

Martírio é um filme-evento. Vincent nos conduz ao coração das trevas do agronegócio e nos mostra a luz e a beleza que move os Kaiowa e Guarani a lutarem para existir. Essa luz é expressa pelas reflexões, pelos cantos, pela religiosidade sempre presente e marcante, e uma epistemologia extremamente sofisticada, uma forma de ver, analisar e pensar o mundo que é única.

Martírio traz uma profundidade inédita na cinematografia sobre a luta Guarani e Kaiowa. É um documentário também filmado de dentro, junto e pelos indígenas. E traz o que se pode chamar de o “outro lado” do genocídio através dos vômitos racistas no Congresso Nacional, das cenas deploráveis de um leilão da morte – que reuniu Kátia Abreu, ministra da Agricultura, e ruralistas – e da fala mansa dos matadores.

Afinal, o genocídio é um ato em que um grupo tenta exterminar outro, acabar com a existência de um povo. Neste caso, o lado genocida, materializado pelas balas dos pistoleiros e dos grupos de extermínio e empresas de segurança, é composto por fazendeiros, ruralistas, e também pela omissão e ação do Estado. A culpa histórica do Estado pelos eventos que levam ao martírio guarani é apresentada com precisão histórica e farta documentação.

 
 
Martírio acompanha a trajetória do drama e da violência colonial do capitalismo que atinge os Guarani, desde sua perspectiva histórica nos séculos anteriores, com a Guerra do Paraguai, até o violentíssimo avanço das últimas décadas, marcadas pela crueldade do racismo moderno e a desumanização científica e midiática produzida contra os indígenas.

Antes, a “guerra justa” que era aplicada para a escravização dos índios, agora é justificada pela teologia do progresso, do desenvolvimento, e em louvor à pata do boi e ao sacro grão da soja, à materialização da despossessão produzida pelo capitalismo e pelo colonialismo.

O filme percorre o caminho tortuoso entre o Mato Grosso do Sul, na realidade da fronteira, ao centro do poder, em Brasília — e poderia passar também pelos grandes portos consumidores de soja na Holanda, na China, nos Estados Unidos, ou do biodiesel que abastece os postos de gasolina e o bolso de ricas famílias em São Paulo.

Pela câmera de Carelli, que trabalha em conjunto com Ernesto de Carvalho, acompanhamos o pensamento Guarani e Kaiowa, a sofisticada compreensão de mundo que desenvolvem e o deplorável discurso da intolerância que justifica a acumulação de capital e de terra sobre o sangue indígena. A hipocrisia da falsa democracia racial é desnudada pelas contradições da formação do Estado-Nação que é um verdadeiro “Estado de Exceção”.

Carelli é um ícone da luta indígena e, com Martírio, nos mostra a possibilidade de uma pessoa branca – homem -, em um posicionamento social de colonizador, inverter a trajetória construída pela sociedade, mudar de lado para engajar-se em um contra-movimento descolonial e lutar pela autonomia e liberdade dos povos indígenas. Batalhar por justiça, se indignar e provocar para que outros se indignem frente aos absurdos, à covardia e à violência cruel.

Pessoalmente, sou um grande admirador de Vincent Carelli e é por causa de filmes como Martírio que tantas outras pessoas – assim como eu – o tratam como alguém absolutamente essencial para se pensar o Brasil que vivemos, para se indignar e lutar. 
 
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Este artigo foi publicado originalmente no site da revista Carta Capital, em 22/9/2016

Imagens: reproduções do documentário
 

Michelle Nkamankeng, de apenas 7 anos e já entrou na lista dos 10 melhores escritores do mundo!


por HuffPost Brasil,
Enquanto muitas meninas se divertem com jogos onlines, programas de televisão e brinquedos, Michelle Nkamankeng ocupa seus horários livres com leituras.

A garota sul-africana de apenas 7 anos já escreveu quatro livros e pretende continuar a série.
"Escrever é divertido para mim e eu amo escrever no meu tempo livre. Eu amo escrever sozinha no silêncio do meu quarto. Às vezes eu peço conselhos para a minha irmã mais velha, que é a minha principal fonte de inspiração", contou a pequena autora em entrevista ao All4Women.
Seu livro de estreia, Waiting for the Waves (ou "Aguardando as Ondas", em tradução literal), foi o responsável por torná-la a mais jovem escritora do continente africano a entrar na lista dos 10 melhores escritores infantis do mundo.

A história foi inspirada na primeira vez em que Michelle viu o mar. Na praia com toda a sua família, ela não entendia porque os adultos ficavam de pé encarando o oceano e foi quando o seu pai explicou que eles estavam esperando as ondas. 
 
Foi neste momento que Michelle compartilhou que ele tinha acabado de lhe dar uma ideia para o seu primeiro livro.
"Eu apenas ri e não levei nada disso a sério. Ela começou a pegar papéis em casa e amarrou o bloco como um livro. Ela fez tudo isso em segredo. Nós não tínhamos ideia do que ela estava fazendo até que ela deu a sua mãe o conteúdo escrito à mão, grampeado e encapado. Ela apenas disse: 'Mãe, este é o meu livro !", compartilhou Paul Nkamankeng, pai da garota, em entrevista ao Destiny Connect.
Paul Nkamankeng disse que eles se surpreenderam com a atitude da garota, então com 6 anos, mas apenas guardaram o manuscrito em sua estante. 
 
 

Michelle, então, escreveu seu segundo livro, depois um terceiro e quando ela escreveu o quarto livro, ela simplesmente disse a seus pais que se eles não tinha planos de publicação de pelo menos uma de suas histórias, ela iria parar de escrever.
"Foi aí que começamos a levá-la a sério e mostramos seus livros para as pessoas que trabalham com edições. Ficamos mais inspirados para publicá-los depois da resposta positiva que recebemos", explicou Paul.
Waiting for the Waves trabakha a contradição das emoções vividas pela garota, de acordo com o prefácio do livro escrito por Colin Northmore, diretor do Sacred Heart College, escola que Michelle frequenta em Joanesburgo.
"A história destaca as contradições das emoções. Em última instância, por libertar-se do medo, você se dá permissão para experimentar a verdadeira beleza da natureza !"

Fonte: Brasilpost

sábado, 8 de outubro de 2016

#RacismoNaInfância uma campanha para refletir sobre nossas crianças no 12 de outubro



Segundo a pesquisa “O impacto do racismo na infância” realizada em 2010 pela UNICEF, 54,5% das crianças são negras ou indígenas. Isso significa que no Brasil, vivem 31 milhões de meninas e meninos negros e 140 mil crianças indígenas. E quando falamos de dados, é impossível não utilizar a interseccionalidade para relatar a situação caótica entre os pequenos.

Nós sabemos que essas questões envolvem uma série de conjunturas pelo Brasil afora, mas não consigo deixar de acreditar que parte o princípio educacional e social. Da falta de apoio aos pais, como aquela criança nasceu e a saúde da mãe ao gerar o bebê. Onde ela vai viver, ou melhor, sobreviver em alguns casos, entre outras questões cercam o mundo infantil e que nem sempre são tão simples, como soltar um pião na terra de barro.

Educação

Uma criança indígena entre 7 e 14 anos tem quase três vezes mais chance de estar fora da escola do que uma criança branca na mesma faixa etária; e uma criança negra entre 7 e 14 anos tem 30% mais chance de estar fora da escola do que uma criança branca na mesma faixa etária. Nós não precisamos ir muito longe quando falamos disso. É só parar pra pensar: Quantas pessoas da nossa família foram a universidade? Quais são as alfabetizadas? E os cargos, quais são?

Sabemos que tudo faz parte da educação, da falta de acesso e de como nós lutamos para conseguir o pouco que ainda temos. E sim, acredito que as cotas são só o começo. Principalmente porque os números acima relatam que as cotas, são mais do que porcentagens, quando nossas crianças, nem nas escolas estão.

Ir até a escola para muito de nós envolve um misto de medo e curiosidade. Novidade porque poucos de nós estão lá e medo porque sabemos o que vamos passar. Mas ainda na infância, a segunda opção parece a mais interessante, e na maioria das vezes, vem acompanhada da segunda, que nos faz sentir uma única vontade: desistir.

Os relatos, além do que conversamos entre os nossos, estão espalhados por aí para quem quiser ver. Quem não se lembra de Kauan Alvarenga, estudante da escola João Vieira de Almeida, em São Paulo A angústia do garoto é simplesmente um: “Eu não tô aguentando mais”, após relatar o racismo sofrido todos os dias por crianças da escola. Quando os episódios parecem intermináveis por parte dos alunos, outro coadjuvante faz parte da turma dos agressores, os professores. Eles seriam nossa salvação, e na verdade acabam reforçando o que há de pior entre as quatros paredes de uma sala de aula, como em um caso no Rio de Janeiro.

Quando dizemos que a educação é a chave para construir nosso futuro, nós precisamos saber de qual e para quem estamos falando, já que no meio dessa construção, crianças negras e indígenas encontram o racismo.

Saúde

Desde de crianças, somos considerados fortes, resistentes e são exatamente essas características que aumentam a mortalidade infantil entre os nossos. De acordo com o Ministério da Saúde 60% das mortes maternas ocorrem entre mulheres negras e 34% entre as brancas. E, na primeira semana de vida, acontecem, em maioria, entre crianças negras (47% dos casos). Entre as brancas, representam 36%. O dados foram levantados em 2014, para a campanha “Racismo faz mal à saúde. Denuncie!”, no Sistema Único de Saúde (SUS).

Novamente chegamos ao ponto de quem tem acesso a saúde e pode desde a gravidez oferecer um bom pediatra aos pequenos, sendo que nossas mulheres muitas vezes não conhecem seus filhos ou eles não tem a oportunidade de conhecer suas mães. Mais uma vez, o racismo está lá, intacto na vida dessas crianças, além de outras situações correspondentes ao bem viver.

Social

Vinte e seis milhões de crianças e adolescentes brasileiros vivem em famílias pobres e representam 45,6% do total de crianças e adolescentes do País. Desses, 17 milhões são negros. Entre as crianças brancas, a pobreza atinge 32,9%; entre as crianças negras, 56%. A iniquidade racial na pobreza entre crianças continua se mantendo­ nos mesmos patamares: uma criança negra tem 70% mais risco de ser pobre do que uma criança branca.

Eu me pergunto: como criar um ser humano desta forma? Nessa projeção infeliz que nos cerca. É preciso dizer que o aspecto social também diz respeito às crianças que possuem acesso à escola, casa e saúde respeitosa, mas que ainda convivem com o fator da pele preta ser um empecilho para acessar outros patamares de vida; pelos quais passamos desde quando nascemos.

Ainda que indiretamente ou de forma imperceptível algum de nós não tenhamos observado com afinco o racismo, sabemos que ele passou por nós na infância. Em algum momento ele vai dar as caras novamente e nosso objetivo é através de análises, pensar como proteger nossas crianças dele, hoje e sempre.

Através da hospedagem dos textos e vídeos via Blogueiras Negras, vamos realizar durante todo o mês, a divulgação e criação de conteúdos para reflexão sobre o assunto. Até o momento, a campanha #RacismoNaInfância acontecerá pontualmente em outubro, mas também podemos estender a questão. Participem utilizando a hastag via Facebook, Instagram e Twitter. Vamos monitorar os relatos, imagens e tudo mais que vocês quiserem compartilhar. Vale lembrar que nossa intenção é também abarcar pensamentos futuros e estimular novos olhares sobre o assunto, toda contribuição é válida!

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Imagem destacada – Serviço de Preta