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terça-feira, 17 de outubro de 2017

Roda de Conversa: em defesa dos territórios quilombolas (17/10)



O Núcleo de Estudos em Cultura Jurídica e Atlântico Negro (Maré) se uniu a mobilização política do movimento quilombola protagonizada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) para o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 que coloca em risco o Decreto n°4887/03. Neste sentido, realizaremos uma roda de conversa tematizando a importância do decreto 4.887/03, que regulamenta o processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas. 

Em um contexto de retrocessos de direitos e de acentuada criminalização dos movimentos sociais, o projeto genocida da população negra no Brasil ganha novo fôlego – apenas este ano, 19 lideranças quilombolas foram brutalmente assassinadas no país. Nós, do Maré, realizamos um mapeamento preliminar dos grupos da UnB que tematizam as relações raciais em suas atividades de pesquisa, ensino, extensão, política, religiosa, artística e cultural, e os convidamos para estarem presentes na atividade e somarmos forças ao movimento quilombola para o julgamento que ocorrerá no dia 18 de outubro de 2017, às 14 horas, no Supremo Tribunal Federal. 

A atividade é aberta ao público e ocorrerá na terça-feira, 17 de outubro, às 14 horas, no Quilombo – Diretório Estudantil Negro da UnB. Contaremos com a participação da advogada do Centro Justiça Global, Raphaela Lopes, que acompanha e atua na ADI nº 3239, e com a presença de Célia Cristina e Givania Silva, representantes da CONAQ.

Serviço
Roda de Conversa: em defesa dos territórios quilombolas
Data: 17/10
Hora: 14:00 as 17:00hrs.
Local: Quilombo - ICC/UnB

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O QUE ACONTECE É MUITO DIFERENTE




Enquanto o clichê, bastante afastado da realidade, insiste em enxergar uma ameaçadora volta à senzala, algo muito diferente disso parece estar acontecendo com a população negra.

Na busca por razões que possam dar conta da desmobilização e o que entendem como passividade do “povo brasileiro”, alguns formadores de opinião preferem buscar marcas da sociedade colonial escravista no corpo de descendentes de africanos, maioria da população, e elegeram Debret e seus bonecos como a representação conveniente, que traria ainda o prestígio da autoridade cultural. 

Um problema para essa explicação cômoda e consoladora é que os negros não se mostram entorpecidos e há sinais evidentes, na conjuntura, de ampliação da mobilização, com destaque para as várias frentes do movimento de mulheres. Uma presença efetiva que vem se adensando, com envolvimento crescente da juventude inquieta.

Não é, deve-se realçar isso, uma intervenção política de tipo único que possa ser reduzida ou controlada dentro de limites partidários. Creio mesmo que as tendências principais que caracterizam o momento não têm origem em organizações partidárias.

Antes da internet, as iniciativas de movimento negro expandiam-se em um subterrâneo praticamente inalcançável por pautas jornalísticas e coberturas, as quais se mostravam indiferentes a fatos políticos que envolvessem o protagonismo de mulheres e homens negros. 

Hoje, que há uma avalanche de iniciativas facilmente acessíveis na web, impressiona a pouca atenção que continuam a receber das editorias, num momento, acrescente-se, “em que o jornal é mais lido em sua versão digital do que em sua versão impressa”. 

Campanhas, denúncias, marchas, transmissões de debates e palestras quase nunca são mencionadas pela grande mídia, que permanece aferrada a um paradigma que exclui sumariamente um grupo humano expressivo de suas preocupações.

O discurso da volta à senzala e das marcas do escravismo é expressão desse distanciamento, uma explicação ilusória que cria obstáculos para uma análise mais rigorosa. Nosso jornalismo nem imagina que negros possam colocar em questão o poder político, quando os negócios públicos e de Estado apresentam teor elevado de obscenidades, como assistimos na votação da última quarta-feira na Câmara dos Deputados.

Desprezam ainda o fato histórico de que a maior contribuição que demos à cultura brasileira é o fio contínuo, persistente, de nossa luta por liberdade e pela afirmação da dignidade humana de africanos e seus descendentes. Corta essa de volta à senzala.

As ruas e praças vazias devem ser encaradas como um problema político e que deve ser politicamente resolvido. Sem recorrer a atavismos e semelhantes. Há medo e insegurança porque a brutalidade policial irrompe a qualquer momento, diuturnamente vigilante, e o fortalecimento do narcotráfico acrescenta sempre novas formas de opressão. Mas quem fala em omissão e alheamento desconhece o cotidiano de mulheres negras e homens negros. Orientem-se, ou melhor, reorientem suas pautas e livrem-se de representações coletivas prisioneiras da miopia e da preguiça.

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Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo

Fonte: bradonegro

Minicurso: Masculinidades Negras e Sistema Prisional (17 e 30/10)



A Diretoria de Diversidade - DIV em parceria com o Centro de Convivência Negra oferecem, através do programa facilitado de formação e informação, o minicurso: Masculinidades Negras e Sistema prisional com os facilitadores Marcos Queiroz e Rafael Oliveira.

O minicurso consiste numa série de diálogos sobre masculinidades, sobre sistema prisional e sobre as intersecções entre os dois, debatendo em como um influi no outro.

A dinâmica do evento vai se dar em forma de debates acerca das experiências dos participantes, fimes/documentários recomendados, textos motivadores e apresentações de convidados com esperência na área.

A príncipio, o cronograma prevê sete encontros semanais, todas as terças-feiras às 18h ás 20h, com possibilidade de adiamento ou acrescimo de alguns encontros, a depender do decorrer das discussões.
A ementa inicial também estará sujeta a mudanças, aliás, espera-se várias mudanças ao fim do minicurso.

Os encontros serão no auditório do Instituto de Ciências Sociais - ICS e quaulquer mudança será publicada no evento e notificada para cada participante.

O curso tem 40 vagas - com possibilidade de certificado - e por isso será necessário inscrição prévia, que abre nesta segunda-feira, dia 09/10/17. A inscrição será feita em particular com os facilitadores.
Priorizamos a presença de participantes negros!

Obrigado!

Link para a ementa:

Serviço
Minicurso: Masculinidades Negras e Sistema Prisional
Data: 17 e 31/10
Hora: 18hrs
Local: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília - ICS/UnB.

I Congresso Internacional em Direitos Humanos e Cidadania








A Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania – do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, da Universidade de Brasília – promoverá I Congresso Internacional em Direitos Humanos e Cidadania entre os dias 16, 17 e 18 de outubro de 2017, no Auditório Joaquim Nabuco, da Faculdade de Direito da UnB, a partir das 9h.

O I Congresso Internacional em Direitos Humanos e Cidadania tem por objetivo apresentar as recentes pesquisas e dialogar com a complexidade que é a pesquisa em direitos humanos e cidadania na pós-graduação e realizar diálogos de saberes com as demais pós-graduações em direitos humanos no Brasil e no mundo.

A pesquisa em direitos humanos apresenta algumas singularidades que são instigantes e, ao mesmo tempo, desafiadoras na seara acadêmica, seja ela disciplinar seja interdisciplinar. Se, por um lado, firma suas bases na reflexão sobre questões urgentes da nossa comunidade mundial em relação às violações, à promoção e à proteção de direitos, por outro impõe-nos a quebra de paradigmas de metodologias de pesquisa mais tradicionais, provocando-nos a realizar diálogos mais plurais entre as diversas áreas do conhecimento.

Voltado para pesquisadores em direitos humanos, docentes, discentes, profissionais da área e comunidade em geral, o I Congresso Internacional em Direitos Humanos e Cidadania parte das questões que nos afligem na produção do conhecimento na área dos direitos humanos, ou seja, debater os desafios da pesquisa disciplinar/interdisciplinar em direitos humanos; fomentar o debate em torno das diferentes áreas dos direitos humanos exploradas pelas linhas de pesquisa atuantes; e congregar os programas de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGDH) para troca de experiências e saberes.

O I Congresso Internacional em Direitos Humanos e Cidadania será, ainda, um espaço para o debate sobre a situação da democracia no Brasil, na América Latina e no mundo.

Mesa: Comunidades Quilombolas e ADIN 3239 (16/10)


ATENÇÃO, AS TERRAS E COMUNIDADES QUILOMBOLAS CORREM PERIGO!

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 proposta pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), questiona o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas, conforme estabelecido pelo Decreto nº 4.887/2003. Na próxima quarta(18/10) o processo será novamente discutido no STF. Precisamos falar sobre e manifestar nosso apoio e somarmos com os quilombolas para que não tenhamos nem um quilombo a menos!

Chama o povo preto, indígena e trabalhadores da UnB pois, sabendo dos eventos que acontecerão: Lançamento do Comitê em Defesa da UnB e Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena - FNEEI/2017, propomos a unificação das pautas e assim sensibilizar mais pessoas no campus e na Esplanada dos Ministérios.

Serviço
Mesa: Comunidades Quilombolas e ADIN 3239
Data: 16/10 - Segunda-feira
Hora: 12:00 às 13:30
Local: Ceubinho - UnB.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Os Espaços de Brincar e as Crianças Negras

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É inquestionável a importância do ato de brincar durante a infância. São inúmeras as brincadeiras que acompanham as crianças na sua formação e farão parte do seu cotidiano até a vida adulta. E por isso, cada vez mais, surgem ‘espaços de brincar’ espalhados pela cidade.

São espaços lúdicos, acessíveis às crianças de 0 a 6 anos e que tem o objetivo de estimular as brincadeiras infantis, de forma interativa e descontraída.

Sabemos que através destes espaços as crianças constroem relações, exercitam a imaginação, a interação social, o desenvolvimento motor, a criatividade, as possibilidades de movimentos corporais e o desenvolvimento lúdico.

E cada vez mais, percebemos a importância de se ter espaços com representatividade na primeira infância para todas as crianças. Os “espaços de brincar” precisam ser pensados para receber crianças diferentes e principalmente, acolher estas diferenças.

Recentemente, fizemos uma visita ao espaço de brincar no centro, que foi inaugurado há poucas semanas, e tivemos uma surpresa extremamente agradável ao perceber neste espaço muitos Bonecos e Bonecas Negros de pano. Tecidos africanos ao lado dos tules. Bonecos com slings para as crianças fazerem as amarrações junto ao corpo. Bonecos de crochê. E muita música e cantigas tradicionais.

Em África, as relações entre o corpo, o movimento, a música e o lúdico são sempre interligadas e poder exercer isso, aqui em diáspora, no centro de São Paulo, de graça, com nossas crianças é também uma forma de construção e reconhecimento da nossa identidade.

O encantamento maior foi pelos bonecos de pano, com bonecas muçulmanas, indígenas, deficientes visuais… e com bonecos negros, de até 1 metro, vestidos com roupas de tecidos africanos e onde cada lado do rosto tem uma expressão diferente.

Precisamos de mais espaços acessíveis e representativos às nossas crianças negras durante a primeira infância, porque destas vivências iremos construir adultos mais fortalecidos, pela representatividade e valorização da autoestima.

A brincadeira, para além do lazer é uma necessidade infantil. É uma forma de interação, de exercício da capacidade de criação, da exploração de movimentos e está ligada ao desenvolvimento cognitivo, afetivo, motor, social. Estimular a possibilidade de brincar nas crianças é favorecer, inclusive, os seus aprendizados e sua formação.

É no momento de brincadeira que a criança faz a ponte entre o real e o imaginário, que externa os medos, as inseguranças, os sentimentos. E é por isso, que é importante a presença também dos responsáveis durante estes momentos. Nos espaços de Brincar, os adultos são bem-vindos e além de participar, irão interagir e brincar também com as crianças, formando e fortalecendo vínculos.

Vivemos em uma sociedade estruturalmente racista. E sabemos que o racismo tem um impacto devastador nas crianças. Crianças Negras estão expostas diariamente a situações de racismo e, por isso, muitas vezes elas irão negar e/ou rejeitar sua identidade e sua ancestralidade. Precisamos estar atentos aos impactos do racismo na infância. Cabe a nós, adultos, identificar as situações, orientar e propor estímulos que irão fortalecer e garantir respeito e igualdade desde a infância.

As brincadeiras e a interação com outras crianças, fora do ambiente familiar e fora do ambiente institucionalizado (como é a escola, por exemplo) pode ser um espaço muito rico tanto para observar a forma como a criança brinca, como a forma com que se relaciona com outras crianças e adultos presentes no mesmo espaço.

É um exercício muito grande para os adultos, durante uma simples brincadeira, estar atento aos espaços, às brincadeiras, os tipos de brinquedos, as outras crianças e tudo isso ao mesmo tempo. Mas é um exercício fundamental para que crianças negras possam brincar e fortalecer sua identidade, sem exposição a nenhuma reprodução de racismo.

É mais que entreter a criança, a brincadeira é um momento de ligação entre mundos, pessoas, histórias e ter ambientes que irão favorecer estas ligações são possibilidades ímpares e valiosíssimas.

Crianças Negras precisam ter acesso a espaços que as contemplem, nos brinquedos, nas brincadeiras, nos livros, nos tecidos. Está contido ali, neste espaço, um local que será presente e saudável para esta criança. E nossas crianças, precisam cada dia mais de espaços seguros, para crescerem saudáveis.


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Imagem de destaque – Adriano é filho da autora e foi fotografado por Júlia Andrade.


*Mayara Assunção. Filha da Dona Rita. É militante do Coletivo Kianda, Brincante de Cultura Popular, integrante do Bloco Afropercussivo Zumbiido e Mãe do Adriano.


A intolerância religiosa não vai calar os nossos tambores

Aumento de ataques aos terreiros e às religiões de matriz africana não revela só o avanço conservador, mas a influência do nosso passado escravista

Por Danilo Molina,


Os casos de violência e agressão contra templos e seguidores de religiões de matriz africana têm aumentado de forma assustadora em todo o Brasil.

Este ano, só no Rio de Janeiro, estado que historicamente apresenta o maior número de registros de intolerância religiosa no país, foram contabilizados, até o final de setembro, pelo menos 79 ataques contra terreiros ou adeptos de religiões de matriz africana, sendo 39 apenas nos últimos três meses.

Esse número é exatamente o mesmo do que o total de casos de denúncias registradas no Disque 100 do Governo Federal, no mesmo estado, em todo o ano de 2016. Entretanto, há um agravante nessa estatística. As 79 denúncias do ano passado englobam casos de intolerância contra qualquer religião, não apenas as de matrizes africana, apontando a tendência crescimento da violência contra nossos terreiros.

Há poucas semanas, terreiros de candomblé em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, foram alvejados. Em vídeo gravado pelos próprios criminosos, com grande repercussão nas redes sociais, uma mãe de santo aparece sendo intimidada pelos invasores, que a obrigam a quebrar objetos litúrgicos e imagens de santos do terreiro.

O show de horrores é acompanhado por ameaças dos marginais, que entoam “o sangue de Jesus tem poder”, “da próxima vez eu mato”, “safadeza!”, entre outros.

Entretanto, no Brasil, a intolerância religiosa não tem fronteiras estaduais. Em São Paulo, também neste ano, foram registrados 27 atos de violência contra templos e frequentadores de cultos de matriz africana, sendo oito nas últimas três semanas. Isso significa que, em média, nas últimas três semanas, a cada dois dias e meio houve um ato desse tipo de agressão em São Paulo.

Cartazes com dizeres neonazistas e xenófobos foram espalhados pelo município de Blumenau-SC, a poucas semanas do início da Oktoberfest, maior festa da colônia alemã no Brasil, que acontece na cidade catarinense.

Nas redes sociais, internautas denunciam as ameaças que constam nos cartazes: “Negro, comunista, antifa e macumbeiro. Estamos de olho em você”.

Em termos gerais, os dados do Disque 100 revelam que, em 2016, foram registradas 776 ocorrências de intolerância religiosa em todo país, um aumento de 36,5% em relação ao ano anterior. De 2014 para 2015, a situação foi ainda mais dramática. Os relatos passaram de 149 para 556, um crescimento de 273,1%.

Se considerarmos toda a série histórica, a situação fica ainda mais apavorante.

Verifica-se uma explosão de denúncias de intolerância religiosa, que passaram de apenas 15 casos em 2011 para os já mencionados 776 em 2016. E por mais que alguns setores conservadores da sociedade tentem desqualificar a questão, as religiões de matriz africana são indubitavelmente as principais vítimas desses ataques.

Na maioria das vezes (25,9%), os agressores são identificados como brancos e as situações de intolerância ocorrem predominantemente dentro das próprias casas (33,9%) e na rua (14,33%).

O perfil das vítimas aponta que os praticantes de umbanda e candomblé, somados aos que se identificam como adeptos de religiões de matriz africana diversas, são os alvos preferenciais dessa intolerância. Juntos, respondem por quase 25% das denúncias.

Isso em um país no qual essas religiões possuem algo em torno de 3,1 milhões de adeptos (1,6% da população), de acordo com o último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010.

Os cerca de 123 milhões de católicos (64,6% dos brasileiros) relataram 1,8% dos casos de intolerância religiosa. Os protestantes, que somam 42,3 milhões de fiéis (22,2% da população), respondem por aproximadamente 3,8% dos registros de agressão.

Uma correta análise sobre essa alarmante realidade não deve se restringir ao simples avanço das forças conservadoras e obscurantistas em todo o mundo.

No caso do Brasil passa, necessariamente, pelo resgate de um passado colonial e escravagista que permeia, até os dias de hoje, a nossa cultura.

“Antros de feitiçaria”

As religiões de matrizes africanas nasceram dentro da senzala e eram reprimidas, inclusive com força policial, ainda no início do século XX.

Na Bahia, por exemplo, na década de 20, a imprensa local atacava duramente os terreiros de candomblé e a polícia reprimia e perseguia os capoeiristas, outra bela expressão da cultura de matriz africana. Artigos e matérias da época classificavam a religião como locais onde “ocorrem cenas monstruosas” e “antros de feitiçaria”.

O catolicismo chegou em terras brasileiras junto com os colonizadores portugueses, sendo uma religião de Estado, oficializada e imposta como parte essencial do processo de colonização.

A Igreja Católica deixou raízes profundas em nossa cultura. Foram as missões jesuíticas que assumiram a educação nos colégios do Brasil colônia e que introduziram a evangelização dos indígenas e, posteriormente, dos negros.

A estreita relação da Igreja Católica e o Estado, no Brasil, também foi intensa durante todo império. Era a igreja quem registava nascimentos, casamentos e mortes naquela época. Também contribuía para a manutenção de serviços hospitalares, notadamente, as Santas Casas. A estrutura da Igreja garantia a disciplina social dentro de limites que, por um longo período histórico, interessava aos colonizadores portugueses.

A Constituição de 1824 chegou a permitir o culto de outras religiões em nosso país, porém, com rigorosas restrições. Os cultos deveriam ocorrer de maneira doméstica e não poderia haver a identificação oficial de igrejas ou centros religiosos que não fossem católicos. A separação oficial entre o Estado e a igreja só ocorre após a proclamação da república, em 1890, logo após o fim da escravidão, quase quatro séculos após o descobrimento do Brasil.

O Ato nº 2º, complementar à referida Constituição de 1824, proibiu os negros de frequentarem escolas, pois eram considerados “doentes e portadores de moléstias contagiosas ”. Essa lei vigorou até, 1888, quando foi abolida tardiamente a escravidão no Brasil.

A Lei Áurea foi assinada depois que a escravidão já tinha sido abolida em toda a América. Países como República Dominicana (1822), Chile (1823), Bolívia (1826), México (1829), Paraguai e Uruguai (1842), Equador e Colômbia (1851), Argentina (1853), Venezuela e Peru (1854) e Cuba (1886) o fizeram antes do Brasil.

A simples abolição da escravidão e a permissão da prática de cultos religiosos diferentes do catolicismo não foram capazes de incluir os negros na sociedade brasileira. Nenhum mecanismo legal para realizar essa inclusão foi previsto.

Os negros, quase todos ex-escravos, foram relegados à própria sorte, em uma sociedade extremamente preconceituosa, sendo obrigados a enfrentar severas dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e à escolarização. Processo semelhante ao que ocorreu na aceitação da sua cultura e religião.

O fim da escravidão, da forma que se deu no Brasil, mergulhou o negro, estigmatizado pelo seu passado de senzala e chicote, em uma condição de subcidadania. Uma realidade de baixa escolaridade e de subemprego, que, infelizmente, perdura até os dias de hoje e explica porque durante tanto tempo fomos uma das sociedades mais desiguais do planeta.

Reparação 

As políticas de ação afirmativa no Brasil para mitigar a desigualdade social e a descriminação racial só começam a virar realidade no Século XXI, mais de um século depois da abolição da escravidão.

A 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e formas correlatas de Intolerância promovida pela Organização das Nações Unidas (Onu), em Durban, na África do Sul, seguramente contribuiu para fomentar essa nova agenda, corajosamente assumida pelos governos Lula e Dilma.

Mesmo assim, sofreu forte resistência de setores conservadores da sociedade brasileira, que se posicionaram frontalmente contra, por exemplo, a Lei de Cotas, aprovada em 2012 e sancionada pelo governo Dilma, para acesso diferenciado nas universidades federais para estudantes das escolas públicas, com recorte preferencial para famílias de baixa renda, negros e indígenas.

O projeto de lei das cotas nas universidades foi combatido durante 13 anos no parlamento por veículos da grande imprensa e até com ações judiciais. Não foi diferente com a discussão curricular da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas. Só em 2010, o presidente Lula sanciona a Lei 12.288, que institui o Estatuto da Igualdade Racial.

Apesar dos recentes esforços, a inclusão dos negros, nos mais diversos aspectos da vida social, permanece sendo um imenso desafio. Segundo o IBGE, em 2005, apenas 5,5% dos jovens pretos ou pardos de 18 a 24 anos frequentavam uma faculdade.

Na idade que deveriam estar na faculdade, 53,2% dos negros estão cursando nível fundamental ou médio. O percentual de brancos na mesma condição é de 29,1%.

O Censo da Educação Superior do Ministério da Educação aponta que em 2012, ano de sanção da Lei de Cotas, 2,6% dos alunos matriculados nas universidades brasileiras se declaravam negros. Em 2015, verificamos um avanço nesse percentual, que foi de 5,3%. Em números absolutos, saltamos de 187.576 negros na educação superior, em 2012, para 429.632, em 2015, um aumento de quase 130%, um salto inédito em nossa história.

Todo o passado colonial e escravocrata não pode ser desconsiderado quando olhamos para a intolerância e o preconceito, manifestos nas agressões contra os templos e os adeptos de religiões de matriz africana.

Não se trata apenas do preconceito contra uma religião específica, mas também contra todo um segmento da sociedade brasileira, marcado por um processo histórico de exclusão social profunda.

É inevitável a analogia entre os nossos terreiros e templos em chamas e as milhões de pessoas queimadas vivas nas fogueiras da inquisição, durante a idade média. E, apesar de todas essas agressões e violações, o Brasil sequer tipificou o crime de intolerância religiosa. Por isso mesmo, não há nenhuma punição prevista legalmente para esses tipos de crimes de ódio.

A marca da ignorância e da intolerância está na cicatriz na cabeça da menina Kailane Campos, agredida covardemente com uma pedrada no meio da rua, aos 11 anos de idade, quando saía de um culto religioso, no subúrbio do Rio de Janeiro, em 2015. Mesmo nesse caso emblemático, que teve repercussão nacional e ampla cobertura da imprensa, dois anos depois, os culpados continuam imunes.

Enquanto não enfrentarmos definitivamente as sequelas do nosso passado colonial e escravagista, nossos terreiros continuarão sendo vítimas do ódio da Casa-Grande. É nossa obrigação não aceitar o avanço dessa intolerância. A capacidade de resistência dessas manifestações culturais e religiosas foi forjada dentro das senzalas e é parte da luta e identidade da população negra, que tanta contribuição deu a construção da nossa nação.

Não podemos mais aceitar a escalada de intolerância. O respeito à diversidade cultural e a todas as religiões e manifestações do povo brasileiro é essencial para a consolidação da democracia e dos direitos das minorias em nosso país.

Nosso dever civilizatório é conviver e valorizar a diversidade e avançar para o respeito integral e para aceitação plena de nossos terreiros e nossos tambores.

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*Danilo Molina é jornalista, servidor de carreira e foi assessor especial da Casa Civil da Presidência da República e assessor do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no governo da presidenta Dilma Rousseff. Também é zelador do Centro de Umbanda Cavaleiros de Ogum, em Brasília (DF) e possui pós-graduação em Comunicação Pública.

Fonte: Carta Capital

Atitude antirracismo: personagens clássicos infantis ganham um outro significado

Chapolim, Pequena Sereia, Pinóquio e outros personagens clássicos do universo infantil. Inspirada nas situações do cotidiano e nos atos de preconceito racial a estudante de Psicologia, Liliane Regini Lemos de Oliveira Moraes, viu através de um projeto humanista e inovador, uma oportunidade de se tornar empreendedora. A gaúcha, natural de Porto Alegre passou a confeccionar bonecas de pano negras das principais histórias dos quadrinhos, do cinema e da televisão. Ao dar ‘asas’ a sua criatividade e imaginação, ela embarcou de vez nesta ideia e hoje, concilia os estudos com a confecção de brinquedos.

Por Taiane Kussler,


O projeto intitulado Maraia’s Bonecas de Pano, surgiu em homenagem a uma das sobrinhas de Liliane, Maraia, 14 anos, que passou por um episódio de racismo na escola durante a infância. Foi neste momento que a jovem colocou em prática os dons artesanais que aprendeu em um curso de confecção e costura, desde os 13 anos.


O trabalho é uma forma que a estudante encontrou para atingir a população negra e revelar a representatividade que elas possuem na sociedade. Uma forma de vencer tabús e preconceitos raciais, que ela vê através dos olhos das crianças que têm acesso aos personagens infantis como Pinóquio, Ariel, a Pequena Sereia, e Boneco de Lata, do Mágico de Oz, entre tantos outros.


Não há melhor forma de combater o racismo e a discriminação racial senão pela disseminação do amor e do afeto, do sentimento de igualdade desde os primeiros anos de vida, afirmou a estudante à Gaúcha ZH.


Para acompanhar a criatividade deste trabalho, clique aqui e acesse a página no Faceboock de Maraia’s Bonecas de Pano. Conheça já este trabalho!






Destaque

Liliane está concorrendo ao Troféu Luiza Helena Bairros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que, anualmente, premia personalidades e entidades que se destacam na promoção da igualdade racial e fortalecimento das políticas de ações afirmativas. O reconhecimento está trazendo bons frutos, a estudante já tem encomendas para Portugal e mais de 20 modelos agendados para serem entregues em Brasília.

Fonte: Tudo e Todas

Oficina de Roteiro com Mulheres Negras

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De 27 de setembro a 15 de outubro, estão abertas as
inscrições para o processo seletivo no site: Mulheres Negras no Áudio Visual Brasileiro

Um dos mais importantes consultores de roteiro da América Latina, o escritor cubano Eliseo Altunaga, parceiro de Pablo Larrain (Tony Manero, Neruda, No) e Andrés Wood (Machuca, Violeta Foi Para o Céu) estará em São Paulo em novembro para ministrar uma Oficina de Roteiro e uma Masterclass no Espaço Itaú de Cinema Augusta. A ação é uma parceria entre o Espaço Itaú de Cinema e o site Mulheres Negras no Audiovisual Brasileiro.

A partir das inscrições, que vão de 27 de setembro a 15 de outubro, serão selecionadas 15 realizadoras negras de vários locais do país, que trarão argumentos a serem trabalhados em aulas práticas e teóricas conduzidas pelo escritor, proporcionando diálogos e reflexões que gerem ferramentas para o desenvolvimento de estruturas narrativas e personagens, para a escrita dos roteiros e para o futuro desenvolvimento de projetos audiovisuais no formato de curta-metragem.

Dados recentes sobre a participação de mulheres no audiovisual coletados pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema) mostram que um país com 51% de mulheres, há apenas 19% nos cargos de direção e 23% em roteiro. Esses dados já são alarmantes, mas quando relacionados à questão racial, a situação se mostra ainda mais grave. Ainda que a população negra brasileira seja de aproximadamente 53%, o cinema não mostra esse cenário. A presença de pessoas negras nos filmes, séries, novelas, etc, ainda é muito baixa e insuficiente. Tanto em relação à representação na frente das telas, quanto nas equipes atrás das telas.

Em pesquisa realizada em 2014, o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) da UERJ, buscou traçar o perfil de gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos longas-metragens brasileiros de maior bilheteria entre 2002 e 2012. O resultado mostrou que nosso cinema ainda é branco e masculino tanto dentro como fora das telas. Dos 218 longas-metragens analisados, 86,3% foram dirigidos por homens, sendo que do percentual restante de 13,7% de mulheres diretoras, não há qualquer mulher negra, seja preta ou parda. Além disso, as mulheres negras representam apenas 4,4% das personagens dos filmes. A pesquisa mostra ainda que do universo de 412 roteiristas envolvidos nesses mesmos filmes, somente 26% eram mulheres e, novamente, nenhuma roteirista negra.

Levando em consideração que esses filmes foram os mais vistos pela população, como é possível, em um país de maioria negra, a completa ausência de mulheres negras como diretoras e roteiristas?

A predominância dessa maioria de homens brancos, enquanto realizadores, pode produzir um cinema que reafirma seus valores de gênero e raça e tende a difundir estereótipos e representações inadequadas dos demais grupos sociais, restringindo-os a funções subalternas e submissas. Além disso, tornam invisíveis aspectos culturais e identitários. Muitas vezes, essa ainda é a única voz e forma de representação que é acessível para a maior parte da população.

E qual é o custo disso?
Os meios audiovisuais tendem a dar legitimidade à desigualdade e ao preconceito, justificando e naturalizando as violências físicas e simbólicas praticadas contra diferentes grupos, entre eles as mulheres negras.

O cinema e a televisão são meios que ajudam a formar a percepção das pessoas sobre o mundo e sobre elas mesmas. Quando uma pessoa negra vê um personagem negro de uma forma complexa, aprofundada, com sonhos e realizações, isso influencia diretamente em sua autoestima, ampliando possibilidades, caminhos e vontade de lutar por igualdade de oportunidades e por direitos. A representatividade importa porque tem um enorme poder de multiplicar as vozes que compõem o nosso imaginário. A ampliação da representatividade negra, garantindo uma maior diversidade de representações fortalece a democracia e enriquece o repertório de todos, independente da raça/etnia.

Nesse contexto, surge a Oficina de Roteiro com o roteirista e escritor cubano Eliseo Altunaga que ocorrerá entre os dias 02 e 05 de novembro. Ela nasceu do desejo de fortalecer roteiristas negras brasileiras e suas narrativas autorais.

Para se inscrever para o processo seletivo, leia o Regulamento e preencha o Formulário de inscrição com seus dados, argumento e carta de intenções. Em caso de dúvidas, consulte o regulamento. Das 15 vagas, oito serão destinadas a realizadoras residentes fora de São Paulo, que terão passagem e hospedagem pagas pela oficina. Crianças são bem-vindas para acompanharem suas mães ou cuidadoras nas atividades da oficina.

Eliseo Altunaga também fará uma Masterclass, aberta ao público em geral, que abordará a construção do relato e dos pontos de vista narrativos dialogando com questões de gênero e raça, na qual serão tratados de forma mais resumida alguns dos temas desenvolvidos ao longo do curso. A Masterclass ocorrerá no dia 6 de novembro, na sala 1 do Espaço Itaú Augusta, às 20h.

Eliseo Altunaga
Roteirista, consultor e escritor cubano de 76 anos, Eliseo Altunaga é Decano no Departamento de Roteiro da Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños (EICTV), Cuba, e nos últimos dez anos vem assessorando e co-roteirizando importantes filmes da retomada do cinema chileno, em parcerias com Pablo Larraín (Tony Manero, Postmortem, Neruda e NO - nomeado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) e Andres Wood (Machuca, Violeta Foi Para o Céu, nomeada ao premio Goya e Melhor Filme Internacional en Sundance). Escreveu roteiros para longa-metragens, telefilmes, séries de TV, programas para a Rádio Cubana, além de haver publicado 8 romances. Professor Titular da Universidade de Arte (ISA), no Departamento de Dramaturgia e Roteiro da Faculdade de Arte, Mídia e Comunicação Audiovisual de Havana, também ministra oficinas e conferências pela América Latina e Europa.

Cronograma
27/09 a 15/10 - Inscrições para a oficina. Leia o Regulamento.
23/10 - Resultado da seleção da oficina
02 a 05/11 das 9h às 15h - Oficina com Eliseo Altunaga no Espaço Itaú Augusta | Anexo - para as realizadoras selecionadas
06/11 às 20h - Masterclass com Eliseo Altunaga no Espaço Itaú Augusta | Sala 1 - aberta ao público com retirada de ingressos uma hora antes.
Parceria
Espaço Itaú de Cinema
Mulheres Negras no Audiovisual Brasileiro

Apoio institucional
Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro (APAN)
BrLab – Laboratório de Desenvolvimentos de Projetos no Brasil
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo
Spcine

Produção
NOIX CULTURA


terça-feira, 10 de outubro de 2017

O Conselho de Defesa dos Direitos do Negro (CDDN) do Distrito Federal será empossado este mês


O Conselho de Defesa dos Direitos do Negro (CDDN), durante a primeira Reunião Ordinária, decidiu que a posse dos Conselheiros será na segunda quinzena de outubro com a presença do governador Rodrigo Rollemberg. O encontro foi na manhã de hoje (3), na Sala dos Conselhos, na Secretaria Adjunta de Política para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos da #Sedestmidh.

Os conselheiros se comprometeram com a realização da IV Conferência de Promoção da Igualdade Racial, durante o mês da Consciência Negra, comemorado em novembro.

O presidente do Conselho e subsecretário de Igualdade Racial, Victor Nunes, anunciou, durante a reunião, que as entidades Rede Afro LGBT e INAO farão parte da retomada dos trabalhos do Conselho. O que para ele tem como consequência uma maior diversidade de grupos sociais, como por exemplo, os LGBT, juventude, idosos e as pessoas ligadas a religiosidade de matriz africana ou não.

Outra pauta que terminou com um posicionamento favorável na manhã de hoje, foi a adesão ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – SINAPIR. O Sinapir representa uma forma de organização e articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços para superar as desigualdades raciais no Brasil, com o propósito de garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa de direitos e o combate à discriminação e as demais formas de intolerância.

O Conselho tem formação paritária por representantes do governo e da sociedade; é presidido por Victor Nunes (subsecretário de Igualdade Racial) e por Thaís Dias; Francisco Batista; Daniel de Jesus, Rede Afro LGBT, Antônio Gomes, da Federação; Sérgio Garcez, INAO; Valneide Nascimento, INAO; Sérgio da Silva Unegro-DF; Victor Nunes; João Rey; Júlio Pereira, NCN-DF; Mãe Bahiana, Palmares; Artur Araújo, NCN; Olavo Vianna, OAB-DF; Andréa Valentim, SEPPIR; Lucimar Martins, Cernegro.

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Por Camila Piacesi

As cotas raciais e a percepção dos privilégios

Filha de empregada doméstica, comecei a trabalhar aos 15. Porém, sou branca: a cor da pele abriu-me portas. Começo a percebê-lo ao cavar camadas da memória, graças à inquietação de meus alunos negros

Por Berenice Bento, do Outras Palavras


Entro em sala de aula. Olho para os lados. Somos cerca de 40 pessoas para mais um dia de aula, entre eles, pelo menos 30% de estudantes negros/as. Há também a presença de estudantes gays e lésbicas, que exibem, orgulhosos/as, símbolos e camisetas que os/as identificam com causas dos ativismos LGBTTs.

A universidade mudou. Os efeitos ainda não estão elaborados porque são rizomáticos. Talvez a forma como penso a relação entre a minha biografia e a cor da minha pele seja um destes efeitos invisíveis.

A primeira vez em que escutei que a cor da minha pele me conferia privilégios, reagi com estranheza. Ora, como é possível que uma filha de empregada doméstica, retirante, estudante de escola pública que começou a trabalhar aos 15 anos de idade possa ser considerada uma privilegiada? O que é um privilégio?

Privilégio é aquilo que você herda e é socialmente reconhecido/a como um bem material ou/e simbólico. “Reconhecido/a” não porque se trate de atos absolutamente conscientes, mas sociais. O fato de você ser reconhecida como branca tem o dom mágico de abrir portas. É como se fosse um passaporte que pode te levar para lugares interditados aos/às que não o possuem.

Mas… Qual seria, afinal, o meu privilégio? Hoje, faço parte da elite universitária, sou doutora, com pós-doutorado, embora continue fazendo da minha vida um lugar de luta pela transformação e justiça social. A primeira reação, portanto, seria relatar a mim mesma como alguém que “conseguiu” vencer na vida por mérito, reatualizado o mito midiático da heroína que subverte seus destinos inscritos no corpo. Será?

Volto com certa regularidade ao bairro onde morei por longos anos. Às vezes me encontro com colegas do meu tempo de escola. Há uma regra geral: as amigas negras trabalham no supermercado ou em outro trabalho mal remunerado. Não consegui refazer os rastros dos meus colegas negros.

Lembro que, algumas vezes, uma colega e eu fomos juntas tentar um emprego de garçonete. Eu consegui. Mandaram-na voltar depois. Tínhamos entre 14 e 16 anos. Ela era negra. Na escola, nossas notas eram muito próximas. O que me diferenciava da minha amiga? A classe social? Não. A cor mais clara de minha pele me deu coisas, me abriu portas. Foi meu passaporte. Conforme fui atravessando os funis da vida universitária, a cor da minha classe foi ficando mais homogênea.

Neste jogo de reinterpretação da minha própria existência eu também me pergunto o que o gênero em que eu fui construída – o feminino – me tirou? Quais as portas que se fecharam por ser paraibana no contexto carioca, em que um xingamento recorrente é chamar o outro “paraíba”?

É como se a consciência dos dividendos do período da escravidão fosse sendo lentamente revelada para mim e localizando minha própria existência em um fluxo histórico que eu não controlei, em uma narrativa fora de mim, mas que encontra seu “agora” histórico (nos termos do Walter Benjamin) também em minha existência.

Minha questão é tentar entender como os dados de exclusão social, política e econômica da população negra se conectam com a minha própria inclusão. Não se trata de uma falta de consciência histórica dos sentidos dos 388 anos de escravidão no Brasil, mas, agora, eu também estou interessada em amarrar a existência desta história aos meus relatos.

De forma alguma reler minha biografia vinculando-a a contextos mais amplos, acredito, resvala para um juízo moral. Este movimento de reinterpretação, de cavar camadas antes adormecidas de minha memória, não teria sido possível se, um dia, estudantes negros/as em sala de aula não tivessem me questionado sobre meus próprios privilégios de raça, se estudantes não inundassem a sala de aula com suas histórias pessoais de violência do Estado. Estudantes que representam, geralmente, a primeira geração de suas famílias a ingressar em uma universidade.

Recentemente, assistimos a um episódio do seriado Black Mirror que contava a história de como um exército desenvolveu uma técnica para distorcer a realidade e fazer os/as soldados matarem sem culpa. Estava acoplado aos capacetes um dispositivo que transformava gente em barata. Durante a aula, estudantes começaram a contar suas próprias experiências de “baratas” (como um deles se definiu: “nós somos as baratas na sociedade brasileira”): assassinato de membros da família, prisões arbitrárias, blitz abusivas e violentas.

Olhei para os lados e me dei conta de que aquelas narrativas de terror vinham quase todas de estudantes negros/as. Saí da aula atravessada por suas histórias e me dando conta de quanto tempo eu perdi ao estar fechada para a escuta do/a outro/a. Reproduzia, assim, nos meus atos, nos meus programas de curso, uma estrutura do conhecimento na qual fui formada e que tem aversão a qualquer saber que venha poluir os cânones eurocentrados das Ciências Sociais. Enfim, tenho descoberto que tenho uma formação acadêmica, no mínimo, deficitária.

Como eu estaria no mundo atualmente se não fossem as cotas raciais? Não sei. Talvez reproduzindo o canto liberal do mérito, algo que, certamente, poderia ser potencializado pelos outros marcadores sociais da diferença que me constituem. Agora, percebo que o título deste artigo deveria ter sido: O que as cotas raciais têm feito por mim?
 

O assombro que vaza da simples existência…

Sou dessas pessoas fissuradas pela ideia de cruzar a linha do tempo da vida em diálogo com as diferentes gerações. Adoro o rito de passagem de uma etapa da vida para outra: curti ser criança, me esbaldei sendo adolescente, me nutri da petulância juvenil, vivi o medo dos 30 e estou super apaixonada por essa coisa que chamamos de fase adulta. Sim, mega sonho em ser uma velhinha, de pele reluzente e cabelos alvos… a única dúvida é se os terei em coque como os da avó paterna ou Black Power curto como os da avó materna. O grande lance de dialogar com as mais diferentes gerações, enquanto cumprimos nossos ritos de passagem, é a possibilidade indispensável em nos aprimorarmos a cada experiência que acumulamos sobre nossa existência.

Por Viviane Ferreira para o Portal Geledés,


Foi do lugar de quem entende o cinema, dentre tantas outras coisas, também como um espaço para dar vazão a simples existências de sonhos oriundos de pessoas portadoras de corpos reluzentes tão qual a cor da noite, como o meu, que acompanhei a 50ª do Festival de Brasília. Acredito no potencial que a imagem tem para dar vazão a construções simbólicas que alimentem a existência das pessoas, em diálogo e em interação. Essa foi a crença que me levou a escolher o cinema como oficio e lócus de escoamento do meu imaginário de mundo.

E lembro-me da minha própria imagem ao sair da sala de cinema , após a sessão do filme Vazante, de Daniela Thomas. Olhei para os lados, e corpos negros como o meu, que não abandonaram a sessão, saíram curvados e desacreditados. Vi corpos imbuídos de branquitude exalando sensação de que acabara de ver uma obra prima. Vi corpos não negros incomodados, com olhares cabisbaixos e envergonhados do que acabara de assistir. Eu saí acalentada pelos gritos do silêncio do meu interior. Estava desapontada. Mais do que isso, havia acabado de ver que sigo sofrendo da síndrome do engodo histórico. Tenho refletido, acompanhado e participado de toda a movimentação da setor audiovisual para dar conta da construção de narrativas que considerem a complexidade da existência das pessoas negras na face da terra. Presido a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro, com a crença de que nós pessoas negras podemos, queremos, temos o direito e devemos contribuir com uma nova composição imagética em torno de nossa existência. E, por isso, a APAN existe, para garantir um espaço de diálogo que seja possível a nossa presença como narradoras(es) de nossa existência. Temos consciência da existência das pessoas não negras que seguem consternadas com a ausência de pessoas negras em determinados espaços ou da existência de construções imagéticas contemporâneas acríticas aos sentidos impressos nos corpos negros pela mentalidade colonial e escravocrata. Fui alertada da possibilidade de estar sofrendo da “síndrome de engodo histórico” ao ver Vazante e constatar que, mesmo do olhar de uma cineasta que é conhecida pela sua sensibilidade ao construir imagens sobre a existência humana, a simples existência da humanidade da pessoa negra a assombrou e foi tolhida no campo de suas lentes. O único conteúdo que escoa, de Vazante, é a reiteração de que para a existência negra, da concepção imageticamente, apresentada no filme, tudo permanece como dantes.

Não há um respiro de câmera capaz de acolher a consternação da mulher negra mantida para o estupro diário. Não há espaço para demonstração de solidariedade entre aqueles personagens que seguiam aprisionados no sistema escravocrata. Não há espaço para o jovem negro se mostrar, também violentado, a cada momento que sua mãe segue para a sessão de “estupro de cada dia”.

Não fui ao debate. Saí do cinema com a certeza de que nossa existência naquele espaço deveria receber meu foco de atenção, tinha convicção do mais do mesmo que o filme se mostrara e não precisava das justificativas que alimentaria a “síndrome de engodo histórico”.

A realidade é que não estamos prontos, o setor audiovisual brasileiro não está pronto para dar resposta à necessidade de conviver com a complexidade da existência negra nas telas. É esse assombro que vaza do texto da Daniela Thomas, em defesa do próprio filme na Piauí. É real o esforço das pessoas não negras, com acesso aos milhões para realizar filmes, em buscar narrativas que contemple a audiência negra. Tão real quanto o assombro histórico que a nossa presença causa nos espaços de articulação e negociação desses “milhões”.

Seria uma heresia afirmar que nada no filme me agrada, e como reconheço a obra como processo, afirmo que, do processo de vazante, a credibilidade para acessar 6 milhões e garantir tempo de criação, equipe e maquinário que me permitam construir imagens que se assemelham à pintura, me agradaram em demasia. Cada frame de Vazante é uma obra de arte e pode ser transformado em um quadro.

As minhas questões são: quais seriam as pessoas que dedicariam sua existência a terem prazer em decorar suas salas com a imagem de execução de um jovem negro amparado pelo corpo de sua mãe, também executado? A quem interessa a propagação da ideia de que as pessoas negras são violentas, agressivas e por isso não pertencentes a determinados espaços de consumo e produção de “arte”? Por que raios a presença de pessoas negras na 50ª edição do Festival de Brasília tem causado mais incomodo do que nossa ausência histórica do circuito de distribuição de recursos, prestígios e status do audiovisual? A quem interessa desconstruir a imagem de um movimento, que atravessa gerações pautando a importância de novas construções imagéticas dos corpos negros, como o movimento negro? O porque grandes veículos da mídia se dispuseram a defender com unhas e dentes um único filme? Porque pessoas não negras de esquerda que aplaudiram recentemente o discurso de Ângela Davis, em visita à Bahia, não conseguem descolonizar suas mentes e argumentos sobre a existência e expressão das pessoas negras? Onde está a máquina de moer não negros, em domínio dos críticos negros, para submeter a equipe de uma filme a tal crueldade especulada? Porque será tão difícil para alguém enfrentar o processo de Vazante como um rito de passagem? Sim, um rito de quem passa da fase da vida de quem só enxergava a existência negra pelo imaginário construído nas veias do colonialismo para a de quem se dispõe a contribuir com a reconstrução desse imaginário coletivo sob a perspectiva da decolonialidade. Seria a não sapiência do que a assombra?

O assombro, que vaza de nossa existência e desloca a branquitude do seu histórico lugar de conforto, é a incompreensão dos não-negros de como é possível uma coletividade historicamente açoitada, de forma requintada e com aprimoramentos estéticos e tecnológicos, insistir em seguir simplesmente existindo.

Mas não há segredos no que nos faz seguir e existir, sonhamos em ser velhas(os), em termos cabelos brancos e pele reluzente como a noite; é em nome de nossos sonhos, que não aplaudimos imagens acríticas de execuções de corpos negros.

Nossa existência cheira à “café com canela” e NADA nos fará desistir de nós mesmos. E que sigam assombrados com a nossa presença; ela é real, não é ficção.


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Sobre a Autora




Viviane Ferreira , cineasta negra e baiana

**Este artigo é de autoria de colaboradores do Portal Geledés e não representa ideias ou opiniões do veículo. 
 

QUERO NASCER, QUERO VIVER


A ADNews é a agência responsável pelo anúncio de lançamento de modelo da marca Jeep, o Compass, que utilizou a melodia da canção “Preciso me encontrar”, de Candeia. A canção, interpretada por Cartola, aparece em disco da Marcus Pereira, salvo engano de 1976.

Gosto da canção (muita gente gosta) e utilizei um verso seu (“quero nascer, quero viver”) como epígrafe de um livro de poemas (Ubá), em 1999. O mundo em que se é morto-vivo, realidade extrema, não merece menção explícita na letra da canção, que projeta com ênfase o renascimento idealizado, romântico, com aurora, água corrente e canto de pássaros.

No anúncio, é óbvio, tudo se reduz a andar por aí de jeep compass. Segundo informa a agência, o “conceito” do anúncio é “Feito no Brasil de tudo o que somos e tudo o que podemos ser”, que evidentemente não quer dizer coisa alguma, é uma quase-idéia, parasitária de alguma coisa com sentido que leram algum dia em algum lugar.

Sobre a canção de Candeia, o release da ADNews diz que se trata de “ uma ode à busca do ser humano por significado”. Esse ser humano é todo mundo em qualquer tempo e lugar. Um plano de universalidade que esvazia o caráter histórico que me interessa. Sou muito limitado e considero essas generalizações claros sinais de uma disposição do intérprete de fugir do contexto. Que vida não significa exatamente viver, no contexto que produziu esse discurso?

Na mesma década de setenta, Martinho da Vila fez “Assim não, Zambi”, que conhecemos na voz de Clementina de Jesus. Vejamos os versos, pensando na recusa radical, no grito da alma que se faz ouvir na canção de Candeia ( “quero nascer, quero viver”). O que é latência e implícito em Candeia se escancara nos versos de Martinho da Vila:

“Quando eu morrer/vou bater lá na porta do céu/e vou falar pra São Pedro/que ninguém quer essa vida cruel./Eu não quero essa vida não Zambi/Ninguém quer essa vida assim não Zambi./Eu não quero as crianças roubando/a velinha esmolando uma xepa na feira/ Eu não quero esse medo estampado/na cara duns nego sem eira nem beira./Abre as cadeias/pros inocentes/dá liberdade pros homens de opinião./Quando um nego tá morto de fome/um outro não tem o que comer/Quando um nego tá num pau de arara/tem nego penando num outro sofrer/Eu não quero essa vida assim não Zambi/Ninguém quer essa vida assim não Zambi”.

É claro que vistas as coisas assim, a recusa tem uma dimensão coletiva (um nego e outro nego, idosos e crianças) e a busca do ser humano por significado tem necessariamente um caráter coletivo. A propósito, é bom lembrarmos que “não quero essa vida cruel”, significa alusão ao derramamento de sangue, consequência das agressões violentas que atingem a população negra. Cruel vem do latim “cruor, cruoris”, é sangue derramado.

Voltemos ao anúncio, onde aparece um negro boiando. Sim, ele não dirige o jeep, ele não acompanha quem dirige o jeep. Parece alguém que passa no momento de gravação do anúncio sem vinculação com os outros personagens, nem com a mercadoria anunciada.

O anúncio revela nesse fantasma perplexo suas inconsistências. Um tipo de voyeurismo fica reservado ao negro, na medida em que está dentro e fora do anúncio. É tocante sua solidão, seu desamparo. A dita homenagem a Cartola e Candeia, assim está no release, não sabe o que fazer com a representação do negro. Trata-se de uma forma nada sutil de descompromisso histórico.


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Edson Lopes Cardoso
Jornalista e Doutor em educação pela Universidade de São Paulo



Fonte: bradonegro

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

18 razões para não reduzir a maioridade penal



Por Douglas Belchior,

O debate sobre a redução da maioridade penal é muito complexo. Não porque seja difícil defender a inconsequência e a ineficácia da medida enquanto solução para os problemas da violência e criminalidade. Mas, principalmente, por ter de enfrentar um imaginário retroalimentado pela grande mídia o tempo todo e há muitos anos, que reafirma: há pessoas que colocam a sociedade em risco. Precisamos nos ver livres delas. Se possível, matá-las. Ou ao menos prendê-las, quanto mais e quanto antes.

Em sala de aula, ver adolescentes defendendo a prisão e a morte para seus iguais dói. Mas é possível reverter esse pensamento. “Queremos justiça ou vingança?”, é a pergunta que mais gosto de fazer.

E você que me lê, se quer vingança, está correto. Reduza a maioridade penal para 16, e depois para 14, 12, 10 anos. Prenda em maior número e cada vez mais cedo. Institua a pena de morte.

Mas se quer justiça, as saídas são outras. E te apresento abaixo, 18 razões para refletir.


Por Movimento 18 razões
1°. Porque já responsabilizamos adolescentes em ato infracional

A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.

Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.
2°. Porque a lei já existe, resta ser cumprida

O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.

Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.

Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre.
3°. Porque o índice de reincidência nas prisões é de 70%

Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as(os) adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.

A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.
4°. Porque o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas

O Brasil tem a 4° maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil).

O sistema penitenciário brasileiro NÃO tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência. Ao contrário, tem demonstrado ser uma “escola do crime”.

Portanto, nenhum tipo de experiência na cadeia pode contribuir com o processo de reeducação e reintegração dos jovens na sociedade.
5°. Porque reduzir a maioridade penal não reduz a violência

Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que NÃO HÁ RELAÇÃO direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.

No sentido contrário, no entanto, se observa que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade.

Dados do Unicef revelam a experiência mal sucedida dos EUA. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes, penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.
6°. Porque fixar a maioridade penal em 18 anos é tendência mundial

Diferentemente do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo.

De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro.

Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.
7°. Porque a fase de transição justifica o tratamento diferenciado

A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro às crianças e adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tal doutrina exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediando e operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

A definição do adolescente como a pessoa entre 12 e 18 anos incompletos implica a incidência de um sistema de justiça especializado para responder a infrações penais quando o autor trata-se de um adolescente.

A imposição de medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.
8°. Porque as leis não podem se pautar na exceção

Até junho de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos.

As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.
9°. Porque reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa

A constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens.

O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população.

A marginalidade torna-se uma prática moldada pelas condições sociais e históricas em que os homens vivem. O adolescente em conflito com a lei é considerado um ‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a sociedade tem nessa construção.

Reduzir a maioridade é transferir o problema. Para o Estado é mais fácil prender do que educar.
10°. Porque educar é melhor e mais eficiente do que punir

A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão, mas é realidade que no Brasil muitos jovens pobres são excluídos deste processo. Puni-los com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres, é assumir a própria incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação.

As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade melhor. E não como os vilões que estão colocando toda uma nação em risco.
11°. Porque reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a juventude

O Brasil não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos e isso ajudou em muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude.

O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressão de uma sociedade tão desigual. Deve-se mencionar ainda a ineficiência do Estado para emplacar programas de prevenção da criminalidade e de assistência social eficazes, junto às comunidades mais pobres, além da deficiência generalizada em nosso sistema educacional.
12°. Porque os adolescentes são as maiores vítimas, e não os principais autores da violência

Até junho de 2011, cerca de 90 mil adolescentes cometeram atos infracionais. Destes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 POR DIA!

A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4° posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.
13°. Porque, na prática, a PEC 33/2012 é inviável

A Proposta de Emenda Constitucional quer alterar os artigos 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um parágrafo que prevê a possibilidade de desconsiderar da inimputabilidade penal de maiores de 16 anos e menores de 18 anos.

E o que isso quer dizer? Que continuarão sendo julgados nas varas Especializadas Criminais da Infância e Juventude, mas se o Ministério Publico quiser poderá pedir para ‘desconsiderar inimputabilidade’, o juiz decidirá se o adolescente tem capacidade para responder por seus delitos. Seriam necessários laudos psicológicos e perícia psiquiátrica diante das infrações: crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na pratica de lesão corporal grave e roubo qualificado. Os laudos atrasariam os processos e congestionariam a rede pública de saúde.

A PEC apenas delega ao juiz a responsabilidade de dizer se o adolescente deve ou não ser punido como um adulto.

No Brasil, o gargalo da impunidade está na ineficiência da polícia investigativa e na lentidão dos julgamentos. Ao contrário do senso comum, muito divulgado pela mídia, aumentar as penas e para um número cada vez mais abrangente de pessoas não ajuda em nada a diminuir a criminalidade, pois, muitas vezes, elas não chegam a ser aplicadas.
14°. Porque reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime

Se reduzida a idade penal, estes serão recrutados cada vez mais cedo.

O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante.

A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um auto-engano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado.

Medidas como essa têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular.

Nesse momento, diante de um crime odioso, é mais fácil mandar quebrar o termômetro do que falar em enfrentar com seriedade a infecção que gera a febre.
15°. Porque afronta leis brasileiras e acordos internacionais

Vai contra a Constituição Federal Brasileira que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes. A redução é inconstitucional.

Vai contra o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas.

Vai contra a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro que exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada às políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

Vai contra parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos autoras de infrações penais.

Vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil.
16°. Porque poder votar não tem a ver com ser preso com adultos

O voto aos 16 anos é opcional e não obrigatório, direito adquirido pela juventude. O voto não é para a vida toda, e caso o adolescente se arrependa ou se decepcione com sua escolha, ele pode corrigir seu voto nas eleições seguintes. Ele pode votar aos 16, mas não pode ser votado.

Nesta idade ele tem maturidade sim para votar, compreender e responsabilizar-se por um ato infracional.

Em nosso país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei.

O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo. Mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar.
17°. Porque o Brasil está dentro dos padrões internacionais

São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.

Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.

Tomando 55 países de pesquisa da ONU, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar. No Japão, eles representam 42,6% e ainda assim a idade penal no país é de 20 anos.

Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.
18°. Porque importantes órgãos têm apontado que não é uma boa solução

O UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como à qualquer alteração desta natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O CRP (Conselho Regional de Psicologia) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da idade penal CNBB, OAB, Fundação Abrinq lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país.